Antítese

Foi sem dúvida uma paixão arrebatadora. Carmela sente um qüiproquó dentro do peito. Gosta da emoção. Sim, têm consciência da sua pouca idade e das armadilhas concebidas pela imaturidade, mas não se importa muito. Precisa sentir a força renovadora e mortal do primeiro amor. Yaacov é um homem galanteador e seduz toda a família de Carmela, através da sua educação esmerada. Desse modo, além de conquistar a namorada arrebata a sogra para junto do seu coração.

O amor se firma, e, com ele, a responsabilidade de pensar em uma união estável. O pedido é feito. Francisco, o pai da noiva acolhe o futuro genro como filho. A família questiona a falta dos pais do noivo. O noivo explica a situação. A verdade que seus pais não sabem do relacionamento. São judeus tradicionais. Querem para Yaacov um casamento judaico, com todos os rituais que simbolizam a beleza do relacionamento entre marido e mulher, suas obrigações mútuas, bem como com o povo judeu. Querem que o filho faça a preparação para o casamento, o chatan (noivo) e a kallah (noiva), sem dúvida, deve preparar-se para um futuro religioso e espiritual, além dos aspectos materiais e cronológicos da vida de casados.

Sem compreender muito a profundidade da situação todos escutam e, até formulam a idéia de tudo poder ser mais bem trabalhado pelo noivo, com o passar do tempo.

O noivado se firma. Yaacov finaliza o terceiro grau. A formatura acontece. Carmela conhece enfim, os pais do noivo. Sente o desdém que fazem. A noite de gala vira um martírio. A família dele não troca uma única palavra com os seus pais. Yaacov se fecha. O seu mutismo a exaspera!

No dia seguinte Yaacov não aparece para noivar e nem ao menos liga para dar notícias. Carmela, então descobre que ele viajou com os pais, e não levou nada do que lhe pertence nem mesmo o certificado do final do curso, o tão almejado diploma.

Duas semanas após, o acontecido o noivo não dá sinal de vida. Carmela sem saber o que fazer se fecha dentro do quarto. Fecha-se para o mundo e para ela mesma, não consegue compreender tamanha discriminação de um povo contra o outro.

Como podem falar em diáspora? Se eles a praticam tão duramente, através das suas convicções arraigadas e discriminadoras?

Sente a sua alma apodrecer aos poucos. O odor putrefato invade as suas narinas. Mas, junto à alma em decomposição, o corpo canta aleluias. O paraíso invade o inferno. O santo esmaga o demônio. O amor transpassa o ódio. Carmela descobre que está grávida. O que fazer? Como contar aos seus pais? Uma dor lancinante a faz chorar.

Prantos convulsivos a transforma em uma boneca de papelão. Sim, parece que a chuva a desmancha. Seu corpo se liquefaz vai embora junto à enxurrada das suas lágrimas. O apartamento montado para morar com Yaacov mostra paredes de gelo, formigas rubras sobem e descem por ela, Deixam um rastro de sangue. O piso reflete o passado dos dois a face rósea de um anjo estampada em uma das paredes muda em uma máscara cadavérica.

Recebe a visita da sogra. Lembra dos seis meses aterradores sem noticias do namorado. A sogra vem com propostas indecentes em troca de um cheque contendo uma soma vultosa.

Não aceita. Vai ter o filho e cuidar dele sem a presença de Yaacov e sua família. O tique-taque incansável dita os acontecimentos na vida de Carmela. Não houve mais falar de Yaacov. Seu filho nasce e seus pais tornam seus protetores. Carmela trabalha muito e, deste modo, a sua cabeça repleta de problemas e soluções, minimizam as recordações. Não se desespera tanto por tudo que passou e por tudo que terá pela frente para educar o menino, sozinha.

Véspera de natal o menino questiona sobre o pai. Cresceu já é um adolescente. Inteligente, leva a escola a sério. Como o pai biológico ama os animais.

Carmela depois de um longo período sozinha conhece um jovem que a quer e aceita o seu filho sem restrições. Casam.

O passado a retém. Como em uma casa de vidro se vê olhando para fora sem entender como as arvores crescem tão rápido. Percebe que precisa fazer algo para solucionar o passado. Este passado grudado nos seus poros; como a hera cresce e se esparrama pelo muro do jardim. Aonde ela fixa as marcas se temporizam. O céu de um azul fluorescente esbanja beleza, mas ela se martiriza se esfumaça, se torna vítima junto ao seu filho da fluidez aprisionada pelo passado. Toma uma decisão!

Descobre o telefone de Yaacov. Leva um susto. Vibra como um sino. Seu corpo reverbera! Sente a responsabilidade de um diálogo sem cobranças. Difícil, mas acima do trauma do passado está a saúde física e psíquica do seu filho. Ouve a discagem e o chamado telefônico. Do outro lado ele a atende! Conversam! Ela expõe todo o problema. Ele ouve! Um silêncio, ruidoso toma conta do cérebro de Carmela. Silêncio! Ouve a voz do passado! Camufla sua impaciência através do silêncio. O silêncio se faz carrasco do seu inconsciente. Yaacov marca um encontro!

Passa a semana! O tempo corre nos pés velozes de Cronos. O encontro acontece em uma cafeteria da cidade. Ela não o reconhece. Está um velho aos 39 anos. Sem dúvida, o passado encarcerou a sua alma! Homem de poucas palavras ouve Carmela, lívido. Ela não pretende reescrever o projeto por ele abandonado. Pálido demonstra nos sulcos do rosto uma grande tristeza, receio, desconfiança.

Carmela liga para o filho que está no carro do outro lado da rua. O menino entra e se atira nos braços do pai. Não consegue conter a emoção e treme muito. Pede desculpas ao pai;

_Desculpa a minha emoção. De fato me pareço muito com você.

O silêncio carrega pesares e dores O mais velho deixou a cabeça governar o coração. O mais jovem demonstra engenhosidade, uma sabedoria, talento para perdoar, um caráter forte. O filho governa o coração em sintonia com a razão.

_Pai, quis conhecê-lo para poder afirmar que você foi um covarde. Você mostrou com sua atitude; uma impotência para agir aliada a fuga da realidade. A sua covardia deixou a minha mãe correndo nas asas amargas do abandono e da hesitação. Preciso contar que sou uma criança feliz. Sim, auto superei o seu abandono. Tenho no meu avô, o sentido e a figura de um verdadeiro e honrado pai. Tenho no meu padrasto um amigo, e mais que isso; lhe devoto o amor de um filho.

Carmela presencia naquele encontro o seu filho amadurecer. A sua compaixão pelo pai é uma recompensa pelo seu esforço e dedicação desprendidos, através de um passado marcado por desencontros em um relacionamento afetivo, que tinha tudo para ir além do amoroso, mas, repleto de satisfação e prazer.