A CÓPULA DAS CIGARRAS
Hoje o dia nasceu claro e aos poucos o sol se fazia presente a desbravar os apertados cantos entre as frestas dos arranha-céus e
parecia duramente afastar com as mãos os paredões de concretos que lhe roubavam o caminho da sua luminosidade.
E no cerne da Mata Atlântica a festa era das cigarras que berravam estridentemente na alegria de ainda ser primavera.
De repente, quando eu já me aquecia nos raios mornos dum sol ainda menino, senti respingar fortemente sobre mim.
Olhei para os céus a não acreditar que chovia uma chuva bem fina, vinda por entre as folhas das árvores, porém pouco mais densa que uma simples névoa.
Não, não seria possível porque sequer nuvens pontuais sobrevoavam o parque.
Quando analisei o entorno percebi que a água descia lá de cima, das copas dos "pau -ferro", [Caesalpinia leiostachya), gigantescas árvores, esguias e elegantes, cujas copas são formadas por delicadas folhas em trama rendada, que se movimentam em comboio ao leve soprar do vento.
Perguntei ao guarda florestal sobre o ocorrido, pois todas vertiam água de suas copas ao mesmo tempo, deixando suas marcas hídricas bem delimitadas no solo abaixo delas.
Na verdade ninguém soube ao certo me explicar, porém, lendariamente já corrre entre os funcionários do parque a crendice de que o líquido verte das cigarras em cópula.
Somente um biólogo poderia explicar o porquê da tristeza dos " pau -de- ferro", que, no meu parque, choram juntos pelo amor jorrado das cigarras.
A exemplo de tantas lágrimas vertidas pelos amores reciclados nas intempéries do tempo.
Verídico, inclusive o fenômeno da água.
Nota: Procurei pelo plural da árvore, mas não o encontrei. Guiei-me pelo plural de Pau-Brasil, que por não ser foneticamente agradável, nos orientam para não pluralizar o tal do substantivo composto.