Meu conto de natal

Meu conto de natal

Era a década de setenta respirava eu os ares pueris cheios de utopia já que era uma época bem próxima ao natal. Meu pai um negro alto com cerca de um metro e oitenta de altura de compleição física forte, nada letrado, pois como ele mesmo dizia, não sabia fazer a letra “o”, nem usando o fundo da garrafa. Casado com mamãe uma mulher branca com aspecto frágil, mas de uma força descomunal, tendo eles um amor daqueles que inspirava qualquer romancista, pois já haviam enfrentado preconceito ao se casarem que daria uma novela Nós éramos quatro irmãos , dois homens e duas mulheres, sendo eu o mais velho de todos, já percebia as dificuldades financeiras vivida pelos meus pais, já que naquela tempo estavam construindo uma casa maior para o nosso conforto, porém o salário de um marroeiro de pedreira não era lá essas coisas e embora fosse analfabeto meu pai havia aprendido escrever o nome e os números, para pedir demissão da pedreira da SERVENG, e ir trabalhar em uma fabrica de papel mais perto de casa. Como havia sido contrato havia usado toda a verba rescisória do antigo emprego, para alavancar a obra que tanto sonhava.

Minha mãe embora tivesse uma perna mais curta que a outra, ajudava trabalhando em casa, lavando e passando roupas para família mais nobres. Nossa casa embora simples e praticamente de tijolo a vista, de telhado sem forro e chão de terra batida tinha na cozinha, um enorme fogão de lenha que se mantinha sempre acesso com um bule café em cima e ao redor do qual nos reuníamos para a reza do terço e nos dias de pagamento para comermos pastel de carne feito por mamãe em sua máquina de esticar a massa e com a carne moída em nossa própria moenda tendo por acompanhamento um café feito como pó colhido do quintal e torrado naquele mesmo fogão e adoçado com caldo de cana também colhida daquele maravilhoso paraíso que era nosso terreno e que tinha plantado entre outras delícias, caqui, abacate, limão, laranja, mandioca, cebolinha verde, mostarda, couve, alface, enfim era o nosso El dourado; ali brincávamos e escondíamos e de vez em quando observávamos a polícia ir até o cortiço que havia na mesma rua, mesmo a contra gosto de meu pai que dizia que curioso acaba se estrepando.

Não tínhamos televisão, porém era sagrado após o banho de bacia com água aquecida na velha chaleira de ferro, a qual tenho guardada até hoje, irmos para o quintal e lá sentados bem juntinhos no alicerce da nova casa em construção, juntarmos nossos rostinhos, espremendo um contra o outro para assistirmos a novela “O espantalho” da TV TUPI, através da fresta da porta de folha dupla de nossa vizinha, embora mamãe nos chamasse não saíamos do lugar maravilhados com aquela nova tecnologia e não entendo por que papai não comprava uma para nós, os pernilongos nos castigavam e entre tapas e comichões esperávamos a festa acabar com o fechamento das cortinas daquele mágico teatro, ou seja a porta que sem dó nem piedade era fechada e as vezes íamos chorando para dentro de casa onde recebíamos o consolo de mamãe e o silencio de papai, que hoje eu imagino ficava se remoendo por ver nosso choro diante da necessidade da vizinha de se livrar dos pernilongos, o que para nós era cruel.

Mamãe tinha por patrões Senhor “brama” acho que era vendedor de cerveja e era um homem gordo que andava com um GALAX branco tão grande quanto ele e a dona Conceição, esposa de um funcionário do Fórum da cidade da qual lavava, passava e entregava as roupas o que era para nós uma festa, pois íamos a pé até o centro da cidade para fazer a entrega das roupas que eram penduradas em cabides e dobradas em trouxas; com extremo zelo por parte de mamãe. Porém quem mora em casa de fogão de lenha já sabe como é o cheiro, que n não nos incomodava, mas nas roupas de Don conceição era outra estória, tanto que neste dia ela indagou de mamãe por que usava ferro de brasa para passar as roupas e mesmo sob os argumentos de mamãe de que usava ferro elétrico foi dispensada recebendo apenas aquela semana. Só eu que carregava os cabides por ser o mais velho entendi o choro silencioso de mamãe, os demais voltaram no mesmo clima de festa em que foram.

No fim da tarde, papai chegava e com ele a alegria, por que alem de seu alto astral, trazia consigo a “rebarba” da marmita que lhe era fornecida no serviço e da qual não comia a mistura para nos presentear e nós já a esperávamos. Ao apagar das luzes escutei papai e mamãe conversando e pela primeira vez na vida, senti o que era problema, que eu achava coisa de adulto.

Papai consolava mamãe lhe dizendo que estava bom por que ainda tinha as roupas de “se brama” e que aquela perda não seria um grande problema, e que ele também sabia que o cheiro da lenha contaminava as roupas e que iria fazer um barraco fora de casa para secar e lavar as roupas assim ficariam longe da fumaça e que um coisa ruim havia acontecido na fabrica naquele dia. Contava ele que ao sair da portaria foi chamado por uma funcionário do departamento pessoal que lhe perguntou se tinha filhos e a quantidade, e que por essa razão estava com medo de ter cortes e por ser ele um dos mais novos e não saber ler direito ser um dos demitidos , lamentando-se de que agora que iria parar a obra para nos comprar uma televisão e justo perto do natal, porém começaram a rezar ; fiquei triste, mas adormeci.

Os dias passaram, mas não a preensão por parte de mamãe e papai, até que no dia 23 de dezembro o “ seu brama” veio com aquele carrão buscar suas roupas e nos pediu para chegarmos mais perto e nos presenteou com bolas, bonecas, uma caixa de cerveja, uma caixa de guaraná, um dinheirinho a mais para mamãe, que ficou muito feliz, pois pelo menos o nosso natal estava com a festa garantida pois as bebidas estavam ganhas, em borá geladeira não era coisa que pertencesse a nossa realidade.

No fim da tarde papai chegou com sua alegria habitual com um saco nas costas e um sorriso de poucos dentes tão alegre como nunca havia visto.

Tomamos nosso banho e fomos para a frente da porta da vizinha para assistirmos a televisão, porém não sei o que houve ela ficou brava e bateu a porta fechando-a fomos os quatro para dentro de casa e vi as lagrimas rolaram silenciosamente no rosto de papai. Durante a noite ouvi quando conversavam e ele contou a mamãe que a moça do sindicado que o procurou para saber se tinha filhos para lhe dar os presentes de natal e que não haveria cortes na empresa porém a coisa que mais lhe doía era nos ver assistindo televisão pelo vão da porta da vizinha mas isso não poderia resolver por que a televisão era coisa muito cara, mas que estava feliz pelo fato de que teríamos um natal farto e agradeceram a Deus por isso. No dia seguinte o encarregado de serviço do meu pai na fabrica de papel, e com o qual havia conversado sobre a forma como assistíamos televisão foi em nossa casa e nos levou para passear de carro, foi pra nós um grande presente pois nunca havíamos andado em um automóvel e pela janela do Ford Corcel I enchíamos os olhos de paisagens e imagens inesquecíveis. Ao chegarmos na casa do senhor Jesus, recebemos o maior de todos os presentes, uma televisão a válvula da marca “EMPIRE” um transformador e uma antena, sendo que este senhor de nome tão sugestivo ainda nos trouxe de volta e nos ensinou como ligar e sintonizar os canais, pena que a novela já havia acabado.

Aquele, que seria o mais triste de todos os natais, acabou sendo inesquecível e até a morte de mamãe e de papai nunca mais tivemos natais tristes.

Wilsonfiodideus
Enviado por Wilsonfiodideus em 08/12/2009
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