Zé - a questão do nome

Flagrante desrespeito com os de nome José, os Zé’s da vida. Porque?
Por que José, aqui no nosso país, é mais um dos pronomes de tratamento.
Como assim? O português vulgar tratou de incorporá-lo na Língua Pátria - Língua Pátria é bom. Aqueles que na juventude tiveram aulas de Latim, Francês, Canto Orfeônico, OSPB e etc. e tal, sabem bem do que estou falando. Os pronomes pessoais passaram a ser: eu, tu ele, nós, voz, eles, e Zé. Isso mesmo. Quando não se sabe o nome de uma pessoa, o povo tem o hábito de tratá-lo por Zé. Você poderá perguntar; temos tantos outros reais problemas para nos preocupar e porque perder tempo por tão pouco? Pra você é pouco. Pra você é até hilário? Pode ser, principalmente se você não é mais um dos inúmeros Zé’s.
Vamos citar alguns dos colóquios utilizados no trato para com os Josés.

Veja se eu tenho razão, se tratam-nos com zombaria ou não;
Quem nunca ouviu as expressões;
Zé mané, Zé das muié, Zé prequeté, etc., etc., etc.
E as Marias? Também dispensam-lhes trato semelhante. Basta que dê um nó cego no trânsito, por exemplo, que surgem de imediato os adjetivos; êh dona Maria, vai pro tanque, etc. e tal. Mas eu quero falar é sobre os José’s. Garanto que agora você já começa a concordar comigo. O pessoal de Marketing, por exemplo, treinam as mocinhas para dispensarem ao público um tratamento generoso, não é? Pois olha, você que não é José, precisa escutar um contato dum coitado destes, cancelando ou mesmo adquirindo um telefone, ou linha, que você vai ouvir do outro lado: favor repetir o CPF senhor – diz a mocinha. Você repete e ela pede confirmação; estou falando com o senhor José de ... Uma vez confirmado, daí pra frente meu amigo, o tratamento dispensado é o de seu Zé.
O segundo nome de seu “José” pode ser o mais bonito entre aqueles registrados em cartório, até os dias de hoje. Não importa. É seu Zé pra lá, seu Zé pra cá, e você se sente como que se lhe atribuíssem um número qualquer. Hoje, os nomes já não possuem significado. O que importa são os números. São tantos que já se pensa em um documento único em que nele, desfilem-se odos de uma só vez: identidade, passaporte, CIC ou CPF, título de eleitor etc., etc. Imagine então pros Zé's. Que é isso minha gente? Gastamos segundos para escrever nosso nome, é verdade, mas levamos a vida inteira para construí-lo. Sabemos que um nome forte, pesado, famoso, debruça sobre a pessoa um fardo muito pesado. Da mesma forma, o descaso ou a insignificância atribuída a ele - nome - acaba por desfigurá-lo e até mesmo a sua pessoa.
Já que não consigo consertar o mundo, melhor desistir.
Tô de saco cheio de ser Zé. D’agora pra frente não sou mais Zé.
Sou Afonso. Melhor; Afonso Rêgo. É claro que não vou desconhecer aquele Zé de dentro de casa. O nosso ouvido é educado para identificar chamado, de acordo com o ambiente em que convivemos. Durante o nosso trajeto pela vida vamos aglutinando codinomes e apelidos, de conformidade com o meio. Há 2 meses por exemplo, fui convidado a tocar no Jardim Canadá, na casa do Luiz Primo, um colega dos tempos de faculdade. Lá chegando, muito bem recepcionado - aproveito para agradecer -, a senhora sua mãe saudou-me como Sr. Joaquim. Eu fiquei sem jeito, o sacana do Luiz rindo e eu falei: você me paga. É que um belo dia, lá pelo segundo ano de escola, eu imitei o professor Joaquim - de Cálculo I - que falava meio que impaciente e choroso, para com aqueles que exigiam-lhe esforço maior. Passei a ser conhecido como Quizim.  E nao é que foi Quinzim quem graduou? Não fui eu.
De Rêgo eu gosto! Aliás, por falar em Rêgo, eu tive problema com meu filho Matheus, por atribuir-lhe o posposto. E os embaraços começaram desde o jardim de infância. Havia outro Matheus em sua classe, o Moravia. E para distingui-los, as mestras resolveram tratá-los pelo sobrenome. Um dia aconteceu um caso engraçado. Ele chega à aula e Marina, sua coleguinha, faz um inesperado comentário. “Hum, Reguinho cheiroso; no que ele perguntou: você quer namorar comigo?
Ela respondeu de seco: não”.

Matheus traz consigo outras piadinhas por causa do Rêgo. Certa vez, lá pelos seus 17 anos, após chamá-lo de Reguinho, como carinhosamente fazia, ele brigou sério comigo.  Chorando, nervosamente disse que tinha ódio de seu nome e que nem de perto eu poderia avaliar a humilhação que trazia consigo, desde os tempos do pré. Eu que tenho orgulho do sobrenome, passei apertado pra reverter essa situação. Para contorná-la foi preciso de uma boa dose de bom senso e energia. Alguns de seus colegas de jardim, o são hoje de faculdade. Com 21 anos, isso já não se constitui mais em problema - acredito. Quando menino eu também sofri por isso. Agora, já adulto, encontro-me aqui brigando pelo primeiro. Abaixo, exponho uma relação dos Josés, entre outros, mais importantes.
José I - Rei de Portugal
José de Bragança - Príncipe do Brasil
José I/II – sacro imperador Romano-Germânico
José Bonaparte – Rei de Nápoles, Rei de Espanha
Perder nosso nome é como perder nossa sombra, ser somente nosso nome é reduzirmo-nos a ser sombra.

( Octaviano Val ).
Afinal de contas quem é São José?
Deveríamos ter orgulho de sermos José? Sim, deveríamos.
O mais célebre está no Novo Testamento; José, marido de Maria, mãe de Jesus Cristo. Não imploro por Ele nesta minha estória. Não cheguemos a tanto. Mas perder nosso nome, isso é trágico. Exigimos mais respeito para com os José’s. Vamos fazer um levante pra brigarmos por José’s. Se revertermos a atual situação, juro que retomo meu nome e também à esta coluna por uma nova causa. Uma vez fortalecidos, quem sabe possamos lutar pelas mais nobres? Afinal de contas, se tiverem que repartir o panetone, a maior fatia será nossa.
Ou não tem mais José de qualquer outra coisa, neste mundo de meu Deus?
Bola pra frente e vamos à luta.
Afonso Rego
Enviado por Afonso Rego em 08/12/2009
Reeditado em 21/12/2012
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