As duas bonecas
Duas lindas bonecas enfeitavam a mesinha de cabeceira de uma menina de seis anos, que se chamava Isaurita.
A menina encontrava-se hospitalizada. Tinha sido submetida a uma operação de urgência. Não podia ter os pais ao pé dela, não era permitido, mas tinha por companhia a sua bonequinha de trapos, prenda da sua avó, que numa das suas estadias nas termas a trouxera. Era a sua companheira já há alguns anos. Andavam sempre de mãos dadas.
Há muito que desejava uma boneca de colecção, mas sabia que nunca a iria ter. Os seus pais eram pobres. Apesar da idade, compreendia que nem sempre se podia ter o que os outros têm.
Quando ia a casa da prima, regalava-se a brincar com as bonecas dela, tinha várias de colecção. Elas desfilavam todas pomposas com os seus belos vestidos de cambraia e todas elas cintilavam e ela ficava a sonhar. Quem sabe se um dia ela não viria a ter uma assim, nem que fosse menos bonita. Nos seus olhitos brilhava a esperança.
Naquela manhã, irradiava alegria pelos corredores do hospital. Uma senhora muito rica acompanhada pelo seu motorista oferecia brinquedos às crianças mais pobres.
Ao passar por Isaurita depositou um embrulho em cima da sua mesa-de-cabeceira. Seguindo em frente sem olhar para a menina, que, timidamente, agradeceu-lhe.
A menina agarrou no presente com as duas mãozitas e, num repente, rasgou o papel em mil pedaços. O seu olhar espantado de admiração caiu sobre uma boneca de porcelana. Ainda mais bonita do que as bonecas da prima.
A sua felicidade era tão grande que não se conteve e gritou, ecoando na enfermaria toda, o meu sonho realizou-se. Eu tenho uma boneca de colecção! Batia as palmas.
Pegou nela ao colo e na boneca de trapos e fez as apresentações entre as duas.
_ Espero que sejam amigas. A partir de hoje vou repartir o meu amor pelas duas. Não fiquem ciumentas uma da outra. – Disse já sonolenta.
Deixou-as lado a lado, entretanto os seus olhitos fecharam-se lentamente.
A boneca de trapos sorriu para a sua nova amiga e disse com ternura.
_ Bem-vinda! Queres brincar enquanto a nossa dona está a dormir?
A boneca de porcelana com desdém disse baixinho.
_ Não te aproximes de mim. Ainda me sujas o meu vestido. Eu sou mais bonita do que tu e serei a preferida. És um monte de trapos velhos e muito feia. Olha para ti, vestida de chita e com laços na cabeça. Estás horrorosa!
A bonequinha, que era meiga e humilde, não respondeu aos insultos e deixou-se ficar quietinha.
Naquele momento, a boneca de porcelana, deu-lhe um forte empurrão.
_ Saia daqui! Maldita boneca.
E, de repente, desequilibrou-se e caiu no chão, mas a outra bonequinha apercebeu-se a tempo e atirou-se para o chão. A boneca de porcelana caiu redondamente sobre a outra que lhe amorteceu a queda com o seu corpinho colorido de trapos.
Isaurita, quando acordou, deu por falta das suas bonequinhas e foi procurá-las, encontrou-as debaixo da cama, uma sobre a outra. Respirou aliviada, a sua nova boneca de porcelana não estava partida, graças à sua companheira.
Isaurita, já estava em casa, quando recebeu a visita da sua prima. Isaurita contou imediatamente à prima como tinha ganho aquela bela boneca. Tinha os olhos azuis, vestido rosa e chapéu branco.
A prima pegou na boneca e ficou completamente estarrecida a olhar para ela. Passados uns momentos, pediu-lhe a boneca.
_ Priminha, dá-me a boneca, falta-me precisamente esta para completar a minha colecção.
A prima mais nova dois anos, com um sorriso triste, entrega-lhe a boneca.
Obrigada! Disse a prima agarrando na boneca imediatamente.
A boneca deu pulos de contentamento ao saber que ia viver com as suas irmãs.
Passou a viver num mundo dourado. Estava no seu lugar, onde tudo era grandeza e beleza. Os dias passaram e a boneca vivia muito feliz, enquanto a boneca de trapos andava tristinha. Tinha perdido a sua nova amiga num relâmpago. E ela queria pedir-lhe emprestado um dos seus belos vestidos. Não queria que ela fugisse dela. Sabia que nunca poderia competir com ela. Entretanto os pais da prima da Isaurita chegaram de viagem e, como sempre, traziam muitos presentes. Era uma maneira de se redimirem pela falta de tempo para estarem com a filha. A miúda ficava sempre com a empregada e rodeada da sua colecção de bonecas.
Depois de desembrulhar os presentes, pega na boneca que a prima lhe deu e fecha-a no armário. Os pais tinham lhe oferecido uma igual, mas trazia um vestido mais bonito.
Os dias passaram e a boneca lamentava a sua sorte. Chorava desesperadamente. Fora castigada pelo seu próprio egoísmo. Só tinha pensado em si. E agora? Quem se lembraria dela? Duma boneca má e egoísta. Desanimada, bate na porta do armário e grita por socorro. Mas ninguém a ouve.
Quando um belo dia a porta do armário se abriu, era a sua antiga dona, pega nela ao colo e embala-a carinhosamente.
-Vais voltar para casa minha bonequinha linda. Eu e a tua amiguinha tivemos saudades tuas.
Mal podia abrir os olhos quando saiu de dentro do armário, a claridade feriu-lhe os olhos. Estivera fechada muito tempo. Também ela sentiu uma enorme saudade da boneca de trapos.
Ao chegar a casa, correu para a amiga, os seus olhos brilhavam de felicidade, deu-lhe um grande abraço.
A outra boneca recebeu-a de braços abertos.
Muito longe, num canto do mundo, duas estrelinhas sorriam. Elas confiavam no poder da renovação.