A Parteira
Dona Innocencia fez mais de 1000 partos, durante os anos em que atendia como enfermeira-parteira à população carente dos subúrbios de Inhaúma, Terra Nova e Engenho da Rainha. Fazia tudo por dedicação ao próximo, sem qualquer pagamento; quando havia uma distócia, providenciava um atendimento médico ou hospitalar, que naquela época era muito precário; havia o Dispensário Jardim do Méier, que fazia os atendimentos na medida do possível; é hoje, o Hospital Salgado Filho, onde algumas vezes eu também fui, em busca de socorro para minhas epistaxes. Era comum, inclusive em madrugadas chuvosas, um marido de guarda-chuva procurando a parteira, em busca de socorro para a gestante. Curioso: eu falo em gestante e me vem à mente aquele político de Brasília, que só se referia à amante como gestante. Continuando: lá ia ela de braço dado com o aflito e, muitas vezes, só regressava quando o dia clareava. Dava uma assistência de enfermagem àquela população carente, a quem muito amava. Costumava usar um vocabulário muito peculiar, criando ou distorcendo palavras; transformava a 2ª parte do aumentativo homenzarrão em outra palavra e dizia - era um homem forte, grande, um verdadeiro “zarrão”. Nenhum dos filhos a corrigia, pois, era sua maneira autêntica de expressar-se e não podia perder a naturalidade. Tinha uma grande preocupação, até óbvia, com os sete filhos, fazendo prodígios para mantê-los bem alimentados, principalmente na época da guerra; faltava pão, pois, o trigo era importado; açúcar, banha, arroz; as comunicações ficaram difíceis, principalmente, depois de terem afundado 18 navios cargueiros na costa do nordeste. Saia do trabalho e passava no mercado da Praça XV comprando bananas d’ água, que cozinhava para melhorar a cota de alimentos; o leite era vendido nas chamadas vacas-leiteiras - um carro pipa cheio de leite, que vendiam um leite impuro, misturado com água, pois, colocavam dentro do tanque enormes pedras de gelo; o leite era tão fraco, que sequer dava para fazer coalhada. Fazia deliciosas broas de milho, que assava no fogão de lenha ou mesmo de carvão - nutritiva e saborosa; fazia umas sopas de fubá com legumes, que todos têm saudades.Tínha uma vizinha que só se referia a ela como a enfermeira; provavelmente, era uma maneira de desmerecê-la, mas ela se orgulhava muito de sua profissão. Trabalhou na profissão, desde a década de 30, criando um grande círculo de amizades; acolhia em sua casa todas as pessoas que, por algum motivo, precisavam de um amparo; aos domingos fazia uma macarronada com massa que ela mesma preparava, uma bela carne assada com batatas; verdadeiro banquete. Trabalhava de manhã à noite, sem nunca reclamar de cansaço, mesmo quando lhe surgiam as intoleráveis dores de cabeça; dava assistência à família, como se fosse pessoa de posses, e insistia com os filhos para que nunca mentissem, mesmo que pudessem ser prejudicados. Certa ocasião, quando o diretor do colégio em que o filho estudava, lhe disse que iria relatar o desentendimento entre o aluno e a professora de francês, interrompeu-o - meu filho já me informou e o senhor não fala mais verdade do que ele! - diante daquela manifestação, o Diretor ficou espantado e lhe perguntou se ela concordava com a sanção - quem deve concordar é meu filho! - ele imediatamente concordou, pois, o assunto já estava causando aborrecimentos a todos; tempos depois, reconciliou-se com a professora e todos passaram a se entender.