UM NATAL REGADO
Havia um silêncio perturbador naquele quarto cheio de beliches e de meninas adolescentes. Uma delas cortou o silêncio, dando uma leve suspirada:
- Olha, se meu pai me desse ao menos uma fitinha ...
Houve então uma ousada explosão de risos contidos.
Todas tinham medo da bronca que levariam se acordassem seus pais que dormiam após um dia cansativo no quarto ao lado.
A menina agora quase moça, passava por tormentos em seus pensamentos.
Passar mais um ano sem presente de natal não a incomodava há muito tempo. Ela passava por momentos mais angustiantes.
Nada incomodava mais em sua mente; nem mesmo as crianças da vizinhança que sempre traziam seus presentes às ruas para exibi-los e competir uns com os outros quem tinha o melhor e mais caro brinquedo.
Nada apagava o trauma da menina que se recusava a sair da sua inocente infância.
Queria passar o resto de toda sua vida brincando de amarelinha; andando com a bicicleta que seu coleguinha sempre fazia questão de emprestar; vencendo todas as partidas de queimada; liderando o imbatível time de bandeirinhas da vila; e aprendendo tudo que a vida e a escola oferecia.
Não conseguia entender porque tinha que fugir daqueles meninos da escola que a perseguiam e diziam que ela tinha que fazer o mesmo que as outras.
Chegava da escola para sua casa ofegante e quando chamava alguma amiguinha pra desabafar seus medos, ouvia apenas gargalhadas e isso a deixava ainda mais confusa.
Certo dia, um menino a perseguiu com uma bicicleta e, então, a menina parou de correr e deu um chute tão forte na virila do menino que o deixou desmaiado.
Mas o que a deixou mais confusa ainda foram as ousadas abordagens de um adulto que até então era por ela considerado o homem mais sábio, equilibrado e forte de todos os adultos que ela conhecera.
Era véspera de natal. O dia estava clareando mas isso não mudava a escuridão que invadia a mente daquela menina.
Então... era natal e a menina agora brincava com seus queridos irmãozinhos quebrando coquinhos, ajudando sua mãe a fazer os deliciosos manjares natalinos e preparar uma mesa que era o orgulho do pai em todo dia de natal.
O peru, a rabanada, avelãs (os coquinhos), o manjar de côco com ameixa, nunca faltavam.
O vinho também era um igrediente imprescindível no Natal daquela família.
Pela primeira vez a menina descobriu que aquela bebida tinha o poder de fazê-la esquecer por alguns momentos de toda aquela confusão que se passava em sua cabeça.
Seus irmãos a olhavam de forma estranha, pois havia bebido demais e falava coisas sem sentido, dando altas e histéricas gargalhadas. Via as imagens de rostos deformados que balançavam as cabeças e a debochavam.
No dia seguinte, a menina não lembrava de mais nada do dia anterior e sua cabeça carregava um peso enorme que seu corpo não conseguia suportar.
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