LIBERTAÇÃO

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As últimas pessoas despediram-se. Ela ficou apenas com os filhos, à beira do túmulo do esposo recém-sepultado. Um dos filhos perguntou se ela estava bem. Respondeu que sim, que estava muito bem. Pediu para ficar só, que mais tarde estaria em casa esperando-os para jantarem juntos, coisa que não faziam há tempos. Os filhos insistiram para lhe fazer companhia..Ela foi taxativa: não! Por fim, ficou só. Pediu perdão por não tê-lo feito feliz e perdoou pelos anos em que vivera oprimida sufocando seus sonhos. Disse adeus e saiu caminhando com passos decididos, sorvendo cada sopro de vento, abençoando cada raio de sol daquela morna manhã de outono. Estava livre para cortar o cabelo como bem entendesse, para dormir até tarde, receber suas amigas, jogar conversa fora, para ir aos lugares que quisesse. Estava livre até para ser plenamente dona de si e de sua felicidade.

Entrou no primeiro boteco que viu. Sentou, pediu pastel e uma cerveja preta. Saboreou cada minuto daquela quietude sem nenhuma pressa e compromisso...Foi até o salão de beleza, pediu um corte de seus vinte e poucos anos. Saiu de lá remoçada. Foi a vídeo locadora, a loja de discos e a livraria. Saiu carregada de pacotes, com tudo que lhe agradava. Chegou em casa, telefonou para os filhos, noras e genros, convidando-os para o jantar daquela noite...Comida chinesa que ela adorava e o falecido detestava. Ligou também para um agência de viagens, marcou passagens e hospedagem para algum lugar de seus sonhos. Por fim, tomou um demorado e generoso banho, lavando-se das culpas e medos, das dúvidas e ressentimentos...Embelezou-se! Olhou-se no espelho e gostou do que viu. É vida nova, pensou com os olhos brilhando de esperança.

Conceição Gomes

(REEDITADO)