ENFIM APOSENTADO
Eu cheguei naquela manhã com uma sensação de que algo dentro de mim havia mudado, aquela noite parecia não ter fim.
Olhei a portaria os moradores que passavam, como sempre faziam ignoravam-me totalmente e ali eu sorrindo para o vento que entrava pelo fundo do prédio. Havia anos que eu estava sentado na mesma cadeira olhando a mesma vidraça os mesmos rostos que alguns já meio enrugados me olhavam de soslaios.
Há quantos anos apenas o meu sorriso refletia naquela porta de vidro e o quanto por todos eram ignorado esta era a palavra, durante anos, ignorado...entrava natal saia ano velho e eu ali a apertar o interfone dos apartamentos abrindo a porta dos elevadores carregando sacolas para as mulheres colocando o lixo no passeio oferecendo meu bom dia minha boa noite e cada sol cada lua sendo ignorados.
Vi crianças nascerem crescerem casarem criarem suas crianças vi velhos subirem para seus apt e descerem em seus caixões em pé nos elevadores e creio que era a única hora que respondiam meu “vai com Deus ou ao diabo,” sei lá, mas aquele dia não daria mais um bom dia para quem quer fosse, não abriria meu sorriso para nenhuma criancinha, não separaria correspondência de nenhum morador, que descessem e separassem, que o lixo escoresse pelas escadas e entrasse portas adentro, não trancaria a portaria para ir correndo ao banheiro e dali saísse com a calça de brim escorrida de urina, que entrasse quem quisesse, não mentiria ao oficial de justiça que a tempos caçava o morador do 1101 nem peitaria o ladrão da meio dia, eu estava me lixando pegaria meu rolo de papel higiênico colocaria sob o braço trancaria a porta do banheiro e defecaria toda minha ansia porque aquele dia era meu, só meu, era o dia da minha aposentadoria.