O gás acabou

Tudo começou bem. Juntamos nossos sonhos, nossos risos, nossas idéias, compramos mantimentos, uma cama, um sofá. Adquirimos pratos, ganhamos panelas. O gás no botijão era suficiente.

Vivemos um dia após o outro. Sempre brincávamos de dar nomes engraçados às coisas. Nossa casinha era alegre, mas nosso futuro era ainda vazio. Só que o vazio que sentíamos na noite fria era preenchido com a nossa presença. Nós nos amamos!

- Meu bem, nós nos amamos - dizia-me ela antes de dormir.

Dias e dias, noites inteiras. Sempre chovia. Falta carne na geladeira.

É engraçado lembrar das nossas primeiras refeições e das jantinhas. A gente sempre tinha gás para cozinhar. E a gente sempre soube se amar.

Mas vem o tempo, vem depressa e feroz. Por que a gente brigou? Eu sei que algo falhou...

Ela me perguntava:

- Meu bem, como foi a entrevista de emprego hoje?

- Não tive sorte. - triste respondia a ela - Vou continuar procurando.

Dias e dias, noites inteiras. As contas aumentavam. Nossos sonhos desabavam.

Água, luz, IPTU, condomínio, prestações, combustível, compra do mês, gás de cozinha...

- Eu te amo! - dizia um.

- Também te amo! - afirmava outro.

Eu e ela sabemos que um casamento não desaba por falta de amor, mas sim, pelo excesso dessa nossa dor de viver sem ardor.

Tiramos pouco a pouco os móveis da casa. Parte vendemos, outro tanto guardamos. Aprendemos a olhar um para o outro percebendo a totalidade do nosso ser. Descobrimos nossas próprias fraquezas. Decidimos não mais brigar. Encontramos um no outro a amizade. confrontamos as nossas idades.

- Meu Love, antes de levar o fogão embora, vamos preparar um último café? - sugeri a ela.

- Claro, vou pegar o pó de café.

Dias e dias, noites inteiras. Um beijo estalado...

- É bom ainda estar ao seu lado, meu lindo.

- Vamos superar tudo isso, ainda estamos juntos.

- Está aqui o pote de café.

- Temos mais um problema. - disse a ela.

Silêncio na cozinha.

- Puxa! O que foi? - sorrindo ela me perguntou.

- O gás acabou.