Construção
Estava terminando o curso científico, quando meu pai resolveu fazer uma grande reforma em nossa pequena casa, que mais parecia uma peneira quando chovia. Seu Cordeiro, homem sério, que trabalhava junto à mulher e aos filhos numa casa de material de construção, que tinha de tudo que se podia imaginar para a época, disse a meu pai - o senhor com essa família grande, morando numa casa pequena, sem conforto, por que não faz obras? Colocou o material de sua firma à disposição de meu pai, dizendo-lhe: compre o que quiser e paga à medida de suas possibilidades! Se não pagar, melhor ainda! Era possível encontrar comerciantes naquele estilo, naqueles tempos; todos eram pessoas sérias, pais e filhos de uma decência única. Meu pai aceitou o oferecimento, convocou o cunhado Cidinho, o que falava verdade, e o cunhado Aberaldo, o que só falava mentiras; alguns vizinhos, um colega de trabalho de minha mãe, Seu Américo, que trabalhava como pedreiro perfeito nas horas de folga, cobrando cem mil reis a diária; transformou-se, e a mim, em serventes de pedreiro, e tocamos a obra; fizemos as ampliações necessárias, banheiro melhorado, cozinha fora de alpendre, dando-se ao luxo de fazer uma varanda, que era uma exigência minha, por considerar que daria uma elegância especial à casa. Curioso, que todas as casas de subúrbio, que se tinham em boa conta, possuíam varanda que servia às conversas noturnas; há pouco tempo, numa viagem que fiz a Bauru, SP, mostrava ao neto as belezas das varandas, que invariavelmente, todas as casas possuíam. Até na música popular as varandas foram contempladas, numa música chamada cidade do interior. O servente de pedreiro em que me transformei não atrapalhou os estudos, apenas minhas mãos ficaram calejadas e grosseiras. Eu tinha o defeito de colocar cimento além das medidas no traçado do concreto, pois, queria material de muita solidez; anos depois, quando visitava a casa de meus pais, admirava como se fosse uma antiga namorada, uma viga em cujo traçado acrescentei cimento além da conta; transformou-se numa verdadeira rocha. Ampliamos a casa e construímos um cômodo nos fundos, onde minha avó ficou depois da viuvez, pois, naquela época, idoso não ficava sozinho, nem era colocado em asilo. Eu tinha mania de mudar a pintura da casa e das portas; volta e meia, quem saísse de manhã com frente da casa amarela, poderia encontrá-la à noite, de cor azul. Algumas vezes meu pai se confundia e dizia: Hoje bebi além do que devia! Construímos um muro de frente muito charmoso, que está lá até hoje. Anos depois, mudamos para um apartamento em Vila Izabel, onde já entramos com o pé esquerdo, pois, enquanto arrumávamos os móveis descarregados do caminhão, tivemos a notícia da morte de uma querida artista, que considerávamos como pessoa de nossa família. Fiquei muito feliz com a mudança para o bairro de Noel, onde ainda tínhamos um dos melhores bondes da cidade, o Lins Vasconcelos; bons tempos em que podíamos ter uma condução boa e barata, sem precisar recorrer a trens superlotados e ainda havia no Rio de Janeiro comerciantes como Seu Cordeiro.