A Filha de Cotinha

Dona Cotinha era uma senhora morena, estatura baixa, cabelos pretos e bem lisos. O que mais se destacava nas suas feições, além dos traços nordestinos, era a sua forma um tanto arredondada. As marcas do tempo impressas no seu rosto indicavam que já passara por pelo menos quarenta primaveras. Prestava atenção a tudo o que acontecia a sua volta, principalmente no que se referia à vida alheia. Falava alto e adorava um barraco. As conversas com o marido e os três filhos, em alguns momentos, podiam ser ouvidas em todo o quarteirão.

O marido, um senhor grisalho, andar faceiro, aparentava ser bem mais velho do que ela. Costumava andar com a cabeça baixa, fato que era atribuído pela língua afiada de alguns vizinhos à agrura de aturar aquela mulher. No fundo, ele também gostava de um barraquinho. Suas discussões com o filho mais velho, muitas vezes começavam no interior da casa e terminavam na rua, até chegar a turma do deixa disso e apaziguar os ânimos.

As duas filhas mais novas de Cotinha eram também morenas. A mais nova, por volta dos 12 anos, tinha como principal hobby a comida. Sempre andava a mastigar algo. Era comum vê-la sentada na calçada de casa comendo alguma coisa. Isso já fazia com que começasse a adquirir as mesmas formas roliças da mãe. Dizem que se você quiser saber como será a filha amanhã, olhe para a mãe dela hoje. A outra filha nada tinha a ver com a irmã. Garota alta, esguia, cabelos longos e lisos, jogados sobre a pela morena. No auge dos seus 16 anos, a ebulição dos hormônios já fizera com que seus traços de mulher aparecessem, despertando os olhares mais atentos da garotada da vizinhança.

Dona Cotinha não deixava nenhum galo se aproximar do terreiro, sempre atenta aos passos da filha, sem esquecer-se de bisbilhotar o que acontecia nas redondezas. Mas seu cuidado foi em vão. A menina, tão bonita e faceira não mais aparecia na rua com tanta freqüência. Cotinha escondia alguma coisa! Com o passar do tempo, começaram a surgir os boatos sobre a gravidez da moça. Era verdade! Já se podia ver aquele pequeno volume quando a não mais moça aparecia aos olhares curiosos da vizinhança. Cotinha também se escondera, provavelmente envergonhada, se é que ela conhecia tal palavra.

Faltou alguém ensinar a Cotinha o sábio ditado popular: quem olha muito para o rabo alheio, esquece de cuidar do seu. A verdade é que de tanto se preocupar com a vida alheia, Cotinha não soube cuidar com esmero do seu rebanho. Como boa nordestina, ela devia conhecer o velho ditado usado na roça: quem tiver suas cabritas que as prenda, pois o meu bode está solto!

F Cavalcante
Enviado por F Cavalcante em 29/11/2009
Reeditado em 03/11/2011
Código do texto: T1951630
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