XI - Vergonha: minha ou sua?

Dona Maria era casada com seu Onofre já há 35 anos. Eles tinham quatro filhos, sendo duas meninas e dois meninos, todos casados e com filhos.

Seu Onofre teve um enfarte e morreu.

Durante o velório realizado na residência do casal, Maria lamentava em silêncio a perda do companheiro, imaginava a tristeza e a solidão que haveria de viver dali por diante, como lhe era cara a sua companhia, mentalmente revivia os momentos felizes de sua vida: a chegada dos filhos, a construção da casa, a chegada dos netos, perdida em seus pensamentos não viu se aproximar uma jovem seguida de 4 crianças, desperta de repente pelo choro da jovem, percebeu num passar de olhos pelos rostinhos das crianças o que se passava ali naquele instante.

Fitando a jovem nos olhos teve pena e afastou-se do caixão e dizendo: _ Pode chorar a vontade! E afastando-se para um canto observou a cena, que espantava a todos os presentes, inclusive os filhos, que se enchiam de indignação e revolta.

_ Mamãe não pode permitir isso! Disse o filho mais velho.

_ Permitir o que? Perguntou Maria.

_ Acaso sabia que papai tinha outra mulher? Perguntou Ana Francisca sua filha caçula.

_ Não! Tomei conhecimento agora.

_ E não vai fazer nada? Disse Antônio seu segundo filho.

_ Fazer o que?

_ Expulse-a daqui já! Disseram os filhos quase a uma só voz.

_ Não! Deixe-a prantear o seu pai. Olhe as crianças são seus irmãos, olhem como sofrem, vejo no olhar deles até maior sofrimento do que nos vossos.

_ Mas, mãe isso é uma vergonha!

_ Vergonha? Para quem?

_ Para a senhora, para nós. Disse Antônio.

Maria olhou nos olhos dos filhos, ela sentia o coração dilacerado pela traição, mas ao mesmo tempo compreendia a dor dos filhos e a fraqueza do esposo.

_ A vergonha não é minha, nem deve ser de vocês, pois não fomos nós que erramos, foram eles, e nós não somos juizes de ninguém para julgarmos nada, porque jamais responderemos pelo outro e sim por nós mesmos.

O silêncio foi total; filhos, filhas, genros, noras, netos e netas e alguns amigos que estavam perto e que viam no semblante de Maria a sua dor e o seu amor; e assim eles pararam de ouvir o orgulho ferido. Maria os havia chamado a razão e com suas palavras e gestos fez cada um compreender que só pode responder pelo que faz.

Maria ajudou e consolou a jovem viúva, amparando os filhos que ela teve com seu esposo.

Somos responsáveis por tudo que fizermos inclusive pelo bem que deixarmos de realizar.

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Ás vezes olhamos o outro como sendo nossa posse, propriedade mesmo, alguém que nos pertence, que nos deve obediência, respeito, amor incondicional, parece até que queremos um cão de estimação.

É triste e amargo o sabor da traição, mas os seres são livres para escolherem o caminho que desejarem, mas todos nós responderemos por nossos erros e somente pelos nossos.

Não somos responsáveis pelos erros alheios, não responderemos pelos erros dos outros. As nossas escolhas, os nossos atos, os nossos pensamentos, nossos sentimentos, nossas palavras, nossas ações são de nossa responsabilidade e será com eles que nos apresentaremos diante de Deus o único juiz do universo. E será diante de seu olhar paternal que nossa consciência gritará nossos erros e imploraremos ao Senhor a oportunidade de repará-los através da reencarnação.