Deu Zebra!!


Entramos na confeitaria, eu e meus quase cento e oitenta quilos, distribuídos da forma mais inarmônica possível em cerca de um metro e setenta de altura. Fiz o meu pratinho. Não importa que o tenham achado enorme. Qualquer prato, ainda que grande para uma pessoa normal, para mim, é um pratinho. Este, parecia um pires. Um pires com um pequena montanha de guloseimas, que eu fiz desparecer em instantes.
Depois deste efêmero prazer, resolvi olhar em volta. Os mesmos olhares de sempre: pena e nojo. Tá! Sou feia pra caramba. Gorda, branquela, meus cabelos parecem de sisal embolado, sou recoberta de sardas, que com o esticamento da pele transformaram-se em manchas. De uma delas, no canto da boca, por mais que eu tente eliminar à pinça, nascem grossos fios de pelo preto. Não queria ser assim, já tentei de tudo para mudar. Mas não consegui. Hormônios, ansiedade e sei lá mais o quê contribuíram para este quadro. Como o que não tem remédio, remediado está, parei de me preocupar. Só o que me irrita são os olhares. Pena e nojo. Nojo e pena.
Este é o mote da minha história, que começou há cerca de três anos. Era vendedora. Acredite! se tem uma coisa que eu gosto mais do que comer, é vender. Em um ano na Montéquios, nunca deixei de superar as metas. Um dia, fiz uma venda realmente excepcional e fui promovida a assistente comercial. Nem bem assumi, e conquistei dois clientes importantes, o que me valeu nova promoção: gerente de contas. Confiante, tornei-me a gerente de contas mais voraz da empresa. Tinha um leque de clientes poderosos, dava treinamentos, palestras. Às caras de pena e nojo juntava-se mais uma expressão: surpresa. Ninguém conseguia acreditar que aquelas palavras, ensinamentos, estratégias sedutoras de vendas podiam sair de alguém assim, tão repulsivo. Mas saíam e, como um foguete, eu via minha carreira decolar. Só me faltava mais um degrau: a diretoria comercial. O ocupante do cargo, um velhinho simpático que estava em vias de se aposentar indicou-me para substituí-lo. Seria a escolha mais natural, diante de meu desempenho mas, na hora H, soube que o Olegário, bonitão e tacanho, foi promovido em meu lugar. Ouvi, pela rádio corredor, que os sócios teriam dito procurar alguém com "mais presença". Ora bolas! Eu, sozinha, ocupo duas cadeiras!! Quer mais presença que isso??
Aí, eu me doí. E comecei minha vingança. Procurei a Capuletos, empresa rival que já vinha há alguns meses tentando me seduzir e aceitei a oferta de emprego que me fizeram. Ganharia pouca coisa mais, mas valia a pena. Como parte da vingança, levaria comigo meus clientes e consequentemente, parte do lucro da Montéquios. Mas, queria mais. Aproveitei um dos muitos descuidos do Olegário e consegui bagunçar a agenda dele. Usei suas ausências para conversar com seus clientes, convencendo-os a debandar comigo. Cancelei algumas entregas de matéria prima, o que provocou atraso em algumas entregas. Com isso, fiz circular boatos sobre uma suposta falência, apontando as dificuldades no cumprimento de prazos. Em suma, eu sairia da empresa deixando-a a centímetros da bancarrota.
Preparava-me para anunciar minha demissão, quando a secretária do presidente me chamou para uma reunião com os sócios. Amarelei! Eles já deviam estar sabendo das minhas armações. E agora?
Logo reconquistei o auto-controle, tomada que estava de ódio e despeito. Não importava o que eles sabiam ou não: anunciaria minha demissão, antes de dar-lhes a chance de falarem qualquer coisa.
Cheguei na grande sala acarpetada e fui recebida por muitos sorrisos, apertos de mão e abraços. Mal nos sentamos, um dos três sócios começou a desfilar minhas inúmeras qualidades, dizendo o quanto eu era importante para a empresa e que sabia de minhas ambições quanto à diretoria comercial, mas que eles não me achavam a pessoa mais adequada para o cargo. Diante do silêncio de expectativa em que todos os olhares pousaram sobre mim, balbuciei, completamente desarmada:
- Por quê?
Ao que ele respondeu, empolgado como uma criança de bigodes brancos:
- Porque é só um cargo e você merece mais. Depois de muito discutir, decidimos oferecer-lhe sociedade na Montéquios, poder de voto, participação em todas as decisões e 20% do lucro líquido. Aceita?

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Por Esta Eu Não Esperava.
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