Stress

Quando Neide notou o ar decidido, com que Genilson cruzou a sala, e, sem ser anunciado, entrou no gabinete do diretor da empresa de ônibus, teve a premunição de uma desgraça. Cuidando para não estragar as unhas recém-pintadas, correu ao escritório do patrão, no intuito de pelo menos dar um grito, que anunciasse a agressão, o crime ou representasse toda a sua indignação ao ver a garrafa térmica do café, derrubada sobre o tapete novinho do Paraguai.

O motorista se dirigiu ao empresário, num tom entre ameaçador e suplicante:

- Seu Joaquim, quero lhe falar uma coisa.

- Pois fale seu Genilson, fale – respondeu sem se abalar com o jeito alterado do funcionário.

- Eu preciso de um descanso.

- O quê?

- De um descanso. Eu preciso tirar um descanso.

- Mas tu voltaste há poucos dias das férias!

- Eu sei, mas é que eu ando estressado.

- Andas o quê? – perguntou o patrão, certo de que não ouvira direito.

- Estressado. E além do mais, eu estou passando por uma crise existencial.

A revelação caiu no escritório, como se o proprietário ficasse sabendo da falência da empresa. Seu Joaquim revezava um olhar atônito entre Genilson e a secretária, petrificada no meio do recinto, com as mãos suspensas e os dedos afastados, esperando o esmalte secar.

- Com o quê?

- Crise existencial – respondeu, soletrando e elevando a voz.

- Ô Genilson, cá para nós. Andaste bebendo de novo?

- Não senhor. Mas acho que a minha vida não tem sentido.

- Como que não! Bairro – centro, Centro – bairro.

- Não é a este sentido que estou me referindo.

- E qual é então? Não vais me dizer que recebeste uma proposta para trabalhar nas transversais?

- Não é nada disso seu Joaquim.

- Mas então o que é homem? – o patrão começava a ficar inquieto.

- É que eu sinto um vazio na minha vida.

- Ah bom! Tu dizes vazio na barriga. O problema é fome. Tu deves procurar não gastar o teu salário...

- Que fome, seu Joaquim?! Que fome nada! O meu grilo é que eu olho para aquela direção e é sempre a mesma coisa. Sempre um círculo. Não leva a lugar nenhum. Só dou voltas e mais voltas.

O dono da empresa fez um sinal a Neide: o empregado estava biruta. A secretária, ainda na mesma posição, de boca aberta, apenas balançava a cabeça concordando.

- Como que não homem?! Ela é um instrumento fundamental para que o ônibus possa cumprir o itinerário.

- Não é a isso que estou me referindo! Estou só comparando!

- Vais me dizer que nas outras empresas a direção é quadrada ou retangular?

- Não seu Joaquim! Não! Eu comparo a minha vida, a minha vida – e batia com as mãos no peito. – A minha vida com a direção. A minha vida é como um círculo. Não leva a lugar nenhum. Sai de um ponto e volta para o mesmo lugar que saiu. É sempre a mesma coisa. Eu só dou voltas e mais voltas sem ter um objetivo concreto, um fim.

O empresário pousou as costas de sua mão na testa de seu interlocutor.

- Será que estás com febre? A delirar? É isso?

- Que delírio porra nenhuma! Eu quero dar um tempo! Eu quero me encontrar! Ter um sentido , um objetivo na vida!

- E que objetivo é esse?

- Não sei.

Num desalento, seu Joaquim deixou seus braços desabarem de encontro às coxas. Balançou a cabeça e olhou para a secretária que roia as unhas. Pensou em chamar o contador, talvez ele compreendesse o que estava se passando com o funcionário, que vendo que não era entendido, tratou de arrumar novos argumentos.

- É por isso que eu quero esse tempo. É para eu me encontrar, para saber se no fundo é esta a profissão que me satisfaz. Se ela é o meu ideal, assim como é o objetivo de vida de muitos dos meus colegas. Entendeu?

- Ai, ai, ai, ai, ai, ai. Tu andaste foi no sindicato.

- Não é nada disso, seu Joaquim. Eu quero repensar a minha vida. Analisar a minha existência. Saber porque eu estou aqui neste mundo.

- E por que estarias em outro mundo? Por acaso, és um ser interplanetário? Um E.T.?

- Não senhor, seu Joaquim. Eu só quero um tempo. Um tempo!

- Tá bom, tá bom. Não se fala mais nisso. Terás o teu tempo.

Hoje só vais pegar depois do almoço, e aproveita para te alimentares bem.

Ao ver que não havia jeito de se fazer compreender, Genilson saiu da sala, sem dar mais satisfações, batendo a porta com violência.

Apalermado, seu Joaquim alternava o olhar entre a parede branca e a secretária, que imóvel no meio da sala, observava com uma cara de terror suas unhas estragadas. Indagou-lhe se ela entendera alguma coisa, mas Neide não lhe respondeu nada. Aquela confusão toda havia lhe deixado muito estressada.

Paulo Antonio Branco
Enviado por Paulo Antonio Branco em 24/11/2009
Reeditado em 08/02/2011
Código do texto: T1942039
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.