Muito barulho por nada

Caríssimos senhores. Prezadas senhoras e senhoritas. Imaginativos de plantão. Visualizem um rapaz. Pode ser loiro ou moreno, alto ou mediano, bem vestido ou apenas normal. Como desejarem. Mas precisa ser trabalhador. Já sei. Vão me dizer que por ser um homem de negócios precisa estar bem alinhado, barbeado, cabelos curtos e bem cortados. Tudo bem, é verdade. Um executivo, mas nada de terno Armani. Ele ganha muito bem, mas esbanja também. O dinheiro entra por um bolso e sai pelo outro.

Visualizaram? Boa pinta, não é? Mora sozinho, tem o seu canto e é vaidoso. Imaginem um tipo atlético, destes que não faltam à academia. As mocinhas ficam em polvorosa quando ele chega. Mas elas que tirem os corpinhos da chuva: ele é fiel à aliança prateada no dedo.

Vamos dar-lhe um pouco de fidelidade. Bem pode cair nos braços das beldades do seu convívio, mas o rapaz é do tipo romântico. Destes que ainda mandam flores, abrem as portas e ajeitam a cadeira para as donzelas.

A eleita é uma moça seleta e abastada, uma morena esguia e bela, de olhos tão brilhantes quanto as suas jóias. Vão a restaurantes famosos e ele lhe dá tantos presentes que nem os amigos nem o coração admitem seu extrato no vermelho. Eis a questão, senhoras e senhores. E senhoritas: o nosso rapaz é um apaixonado. Destes fisgados de jeito.

Imaginemos mais da vida dele. A família mora numa cidade qualquer do interior que ele pouco freqüenta. Resta-se com a sua megalópole, amor de primeira vista. Cresce nos bons colégios e tem boas e duradouras amizades. Freqüenta bons clubes e tem bons relacionamentos. Como é nadador por excelência, cultiva o hábito social de beber raramente. A maior parte do seu tempo passa envolvido com o trabalho, pelo qual é bem remunerado, como combinamos.

O problema dele é mesmo a paixão, que os senhores devem conhecer bem. O mundo dá voltas e ele só tem olhos para ela. A família lá longe e os amigos ali perto reclamam da sua ausência. E a moça acha tudo lindo: o rapaz só para ela, presentes caros, badalação, festas e tal.

Pois é. Adivinharam, hein? Não, não está. A moça ainda não está satisfeita. Quer uma prova maior do amor do rapaz. Assim, uma coisinha mais concreta. Para as amigas morrerem de inveja, sabe? E o jovem, deslumbrado, mete-se pela cidade atrás de um presente de valor. Mas vejam, senhoras, a ironia: sem encontrar nada inédito ou à altura da noiva, o rapaz se aconselha com a futura sogra. A madame lhe conta que o marido, um banqueiro conhecido, cravejou-lhe definitivamente o coração no dia em que os seus diamantes pousaram às suas vistas, rodeados de veludo, presente de casamento. Imaginem, senhoritas, que a mãe da moça sugere que ele faça o mesmo.

Ele ganha bem, certo? É bem apessoado, inteligente e querido no ambiente de trabalho. O destino aqui facilita a vida dele, o que acham? Poxa, o rapaz dá duro há anos, vai se casar logo em breve: os seus superiores dão-lhe uma chance de administrar uma campanha pomposa, com a conquista da qual terá mais responsabilidade e será portanto mais bem remunerado. Concordem comigo: o rapaz acha uma incrível coincidência a oportunidade de promoção e tal, bem quando a madame lhe sugere o anel. Demais, hein?

Pois bem. Os objetivos do rapaz se voltam para o possível cliente. A indicação do nome dele para encabeçar a campanha é a chance da sua vida. Os amigos e a família desistem dele de vez. Ele vai querer ganhar aquela conta, senhores, propaganda é a alma do negócio e a dele também. Vai se dedicar à questão com disciplina etrusca. Vai acordar, respirar, almoçar e dormir a campanha. Sonhar também. O sonho do moço é se estabelecer na agência e fazer carreira como publicitário de sucesso. Pela primeira vez se mete no topo do negócio e já tem chances.

Vencedor, terá o privilégio de gerir a conta, de uma empresa francesa; talvez fossem morar em Paris, a cidade das luzes, do romantismo! Convenhamos, aquilo vai consumir o rapaz! E então, com avidez à proposta e descabido empenho arremata a questão. Sai triunfante da concorrência e entra para o rol dos egrégios, aclamado na agência como herói da conquista – confessada depois – dada como perdida. Um segredinho aqui: ele fica meio triste quando sabe disso, mas tudo bem. Ah, quer saber mesmo? Depois ele se orgulha do que fez, batendo no peito com jeito de altivo.

Alçado à categoria de estrela, o rapaz descobre que vai mesmo a Paris sob instalação da agência e vai viver em Montparnasse, vizinho ao Musée D’Orsey, num desbunde. Decide prorrogar seu casamento e o anel da noiva vai ficar para depois por que agora o rapaz está nas alturas. Mal pode acreditar, de mala e cuia pousando no Charles de Gaulle Aéroport. A noiva, senhoritas, fica no Brasil até que ele se estabeleça. Fica meio abatida, mas evita contrariar o moço.

E eis que...

Eis que...

Senhoras, senhores e senhoritas:

Eis que ele se apaixona por outra!

Por alguém que ele conhecia muito bem, que vivia com ele, guardada no peito, há muitas primaveras. Estivera relegada, escondida, por todos estes anos. Assim, nos últimos meses, depois de um ardoroso reencontro, os dois se encontravam diariamente e se nutriam como Romeu e Julieta: ele e a publicidade! Aquela entrega, aquela paixão sem freios, aquela profunda dedicação; em plena cidade do amor, senhoras e senhores!

E, senhoritas, perdoem-me, mas a noiva no Brasil vai ficar bem. Logo em seguida ela arruma o herdeiro de uma multinacional. Vai se casar e morrer de amores pelos presentes do marido.

Quanto ao jovem publicitário: ele se dá muito bem na cidade do Louvre, até a joint venture da empresa do seu cliente com a líder mundial do mercado, uma marca alemã. Nessa, ele perde o seu cargo na França e volta à vida de antes no Brasil. Só que agora, sem a noiva.

Paulo Sartoran
Enviado por Paulo Sartoran em 20/11/2009
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