ADEUS
ADEUS
Eu precisava desabafar. A angústia me corroía. Não sabia para onde ir. O que fazer. Com quem falar. Falar o quê. Pra quê. Por quê. O problema era meu. Só meu. Fora a minha última chance. A última. Chances são como os dias, são feitas para agarrarmo-nos a elas e delas tirarmos todo o proveito e ensinamento, pois não sabemos do dia de amanhã, nem se teremos outras chances. Bem, já foi, se para o bem ou para o mal, quem sabe.
O bar cheio, estranhamente uma garota só, sentada à mesa do canto. Os cabelos lindos, a cara horrível! Mas eu estava horrível, talvez eu a fizesse horrível. Desabafar, conversar, era só o que eu queria. A amizade é um imenso coração, não tem cara. Cheguei perto e perguntei-lhe:
— Batida de frente (estava irônico àquela noite)? — ela não entendeu. E como eu ía explicar-lhe que eu perguntara se ela havia sofrido um acidente automobilístico frontal? Fiz-lhe outra pergunta:
— Toma uma batida? (para não fugir do tema principal) — ela não entendeu de novo, vasculhou a bolsa de couro cru, retirou de dentro algo que colocou no ouvido esquerdo e logo entendi: ela não ouvia muito bem. Refiz a pergunta, talvez tenha sido sádico demais.
— Posso me sentar aqui? (não havia pensado: e se ela estava esperando o marido, ou o namorado, ou algum colega, ou parente?). Já estava sentado.
— Pode.
Agora que estava mais próximo dela, já não via tanta feiúra assim, meus olhos já não viam apenas sua face, mas agora percebia o brilho dos olhos, a luz no sorriso, a sinceridade...
— Desculpe, meu nome é Lauro...
— Suzana.
— Lindo nome!
— Obrigada, o seu também é.
— Esperando alguém?
— Esperança.
— Sua irmã?
— De todos nós.
O que ela quis dizer com aquilo? Eu estava irônico, mas não para brincadeiras. Perguntei:
— Como?
— A Esperança é irmã de todos nós. E eu a estou esperando.
— Mas esperança não se espera, se tem.
— Eu sei, por isso a espero, porque não a tenho mais.
Apesar de ainda um pouco confuso, tentei decifrar o que aquela garota estava me dizendo. Meu banco de memórias saía da sintaxe para a semântica. O que aquela garota dizia não fazia sentido imediato para mim, eu precisava de respostas diretas, não de figuras de linguagem. Eu tinha um problema, precisava dividi-lo, e no entanto estava diante de alguém que me parecia com um problema maior que o meu.
— Você não me parece com problemas, pelo menos é o que eu percebi. O único problema é você estar aqui sozinha em um lugar cheio como esse.
— Você está aqui agora.
— É...
— Você tem problemas?
— E quem não os tem! Mas já penso que posso solucioná-los, afinal deve-se sempre olhar para os lados e perceber que o nosso fardo nem sempre é o maior dentre o dos outros mortais!
— Você é sincero.
— É, às vezes até demais.
— Nunca se é sincero demais! A sinceridade não tem mesuração, ela é, simplesmente.
— Mas às vezes dói.
— O que dói não é a verdade, mas saber da verdade a mentira.
— Você é filósofa?
— Não, eu estou apenas morrendo...
— Desculpe, não entendi.
— Eu fui sincera, eu estou morrendo.
— Em que sentido, eu também estou morrendo, um pouco a cada dia.
— Eu sei, morre-se um pouco a cada momento, por isso vivamos todos os momentos!
— De quê?
— De desesperança.
Ri. Ri porque ainda não conhecia alguém que estivesse com essa doença e estivesse vivo, normalmente ela se suicida.
— Já tentou suicídio alguma vez?
— Não, eu não sou assassina. Seria a última coisa que eu faria comigo.
— Que bom! Pelo menos você ainda vai durar bastante tempo(estava sendo irônico de novo). Desculpe, estou apenas querendo quebrar esse clima mórbido.
— Você foi sincero novamente.
— É, mas irônico.
— A vida é irônica, se vemos um casal, em que o homem seja bem mais velho que a mulher, dizemos: logo aquele bate as botas e ela fica com tudo, e aí vem a vida, ou a morte, e leva a mulher primeiro, não é irônico?
— É, isso é verdade, mas eu não sou bem mais velho do que você, sou?
— Obrigada!
— Eu não fui irônico agora...
— Eu sei, eu sei que você não quis dizer que eu iria morrer primeiro do que você, eu agradeço por me fazer rir!
— Eu nem vi os seus dentes!? (ela riu, e era um riso vivo, saudável, transparente).
— Obrigada de novo! Eu estou com câncer.
O quê? (a pergunta ecoou internamente na mente, o quê? O quê? O quê? O que ela disse? Eu não entendi! Muita gente falando! O quê?)
— O quê?
— Eu estou doente, com câncer.
Essa palavra já é um câncer, ela dói, esquisito, mas a palavra dói, ela corrói as nossas vidas, os nossos sonhos, as nossas... esperanças!
— Quer falar sobre isso? (eu já não tinha mais problemas, nem mesmo sabia o que era isso).
— Eu já falei tudo, obrigada por me ouvir.
— Quer sair?
— Quero.
— ...
— ...
Na rua, caminhando, não falamos, tudo o mais falava por nós, estávamos solidários e impotentes.
— Adeus, e obrigada novamente!
— Adeus.