Fuga

Correr daquele modo, afundando na neve, já começava a esgotar-lhe as forças. Sabia que seu perseguidor era muito maior e mais forte do que ele, por isso não se permitia diminuir o ritmo um instante sequer. Ofegante, não podia evitar abrir a boca ao respirar e talvez até a língua já estivesse de fora. Avançava como podia, arrastando uma corrente que deixava um rastro sutil entre suas pegadas sobre a massa branca.
     
Derrapou perigosamente ao contornar uma esquina e adentrou uma via estreita, onde caixas e lixeiras foram de certo um contratempo. Atropelou uma porção de objetos pelo caminho, espalhando-os e possivelmente dificultando a passagem daquele em seu encalço. Poderia ter ganhado alguma vantagem, mas teve a visão encoberta e acabou surpreendido com o surgimento de um barranco.
     
Rolou alguns metros antes de conseguir se levantar, molhado e coberto pelas partículas de gelo que forravam o chão por toda parte. Sacudiu-se e saiu mancando, sem a mesma velocidade de antes. Ouviu gritos. Pareciam crianças. Procurou por elas. Encontrou-as rindo, atirando bolas de neve umas nas outras. Ficou interessado e já manquitolava em direção ao parquinho para se intrometer na brincadeira quando o som de passos o fez fugir para outro lado.
     
De volta à corrida, deu com uma rua movimentada, onde encontrou dificuldades para abrir caminho entre as pessoas. Já não tinha rumo certo. Tampouco saberia voltar, se o quisesse. Na verdade nem se lembrava mais de quê exatamente estava fugindo. Ainda assim, não parou até alcançar um beco e não ter mais aonde ir. Viu-se encurralado e podia ouvir alguém se aproximar...
   
— Pingo! — um rapazote indignado segurava uma coleira e apoiava as mãos sobre os joelhos, esbaforido. O cachorro fujão sentou-se contente ao rever o dono, certo de que voltaria para sua tigela cheia de comida.
Diógenes Daniel
Enviado por Diógenes Daniel em 11/11/2009
Reeditado em 28/06/2013
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