Briga de Casal (EC)
Por volta das três da manhã, começou a confusão. Acordei assustada com os insultos e palavrões proferidos aos berros, numa voz alcoolizada e pastosa, enquanto uma outra vozinha miúda se lamuriava, assustada:
- Não amor! Não fala assim, meu bem... por favor! Por favor!
Ouvia o som de coisas se quebrando, às vezes gritos. Pensei em chamar a polícia, intervir de algum modo. Aquilo decerto não acabaria bem. Mas lembrava dos sábios conselhos de minha mãe: em briga de marido e mulher não se mete a colher. E tratei de fechar meu faqueiro de volta, para não dar idéia. Afinal, aparentemente, a coisa nunca evoluía disso. E mais, quando não estavam brigando, era difícil acreditar que brigassem, tão harmonioso e gentil era seu relacionamento. Eventuais hematomas eram atribuídos a quedas e outros acidentes domésticos.
Não consegui mais dormir, mesmo depois que a contenda se encerrou. Podia ouvir claramente os soluços angustiados que vinham da janela acima da minha. Era sempre assim. Briga, quebra-quebra e choro, num filme que se repetia pelo menos duas vezes por mês, sempre movido à álcool. Não conseguia entender como alguém suporta uma vida dessas. Eu já teria ido embora há muito tempo. No caso deles, era ainda mais misterioso: sem filhos, o casal levava uma vida modesta, o pouco patrimônio e a única renda que tinham era justamente de quem sofria as agressões. Quem ofendia vivia os dias pelas ruas a beber e colecionar amantes.
E eu segurava minha colherzinha, ansiosa por desandar este caldo de vez, mas sempre temendo piorar ainda mais a situação.
Numa madrugada, ao voltar de um baile de formatura, vi a ambulância parada em frente à portaria. Encostei o carro, apreensiva. O porteiro veio ao meu encontro, desolado:
- Eu sabia que isso ia acontecer. Tantas vezes pensei em me meter e nunca tive coragem...
- O que houve, seu Antônio?
- Ela finalmente matou o coitado... esta mulherzinha dos infernos! Pobre do seu Romero...
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Não Ponha a Colher.
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