Aí né mole não!

A sinhora adiscurpa o atraso e os pé sujo de barro, Dona Laura, máisi o ômbus rumô de crebá bem no mei de um ríi de lama e nóis tudo teve de descê e ficá lá esperano hoooooooooras inté chegá outro... E o outro que vei tava inda máisi destrambeiado e desbeiçado que o premero! Aí nóis vei tudo que nem que sardinha na lata, que nem que gaiola de frango de granja, nariz infiado no suvaco do outro, orano pa num crebá esse ômbus tumém, e nem num parece que nóis paga uma passage mais cara do que um litro de gasolina, dinhero ganhado com o suó do trabaio honesto nosso.

O Zé falô pa eu que lá na Viprã, onde que ele é trocadô de ômbus, toooodo dia entra um tantão assim bem tantão meis de dinhero, máisi eles num qué dá aumento de salaro pos motorista nem pos trocadô nem pos mecanco nem pa compá ômbus novo... E o Zé falô que se fartá dinhero no fim do dia, se num tá certo o númuro da roleta c'o tanto de dinhero lá na caxa, é os trocadô que tem de pagá o que tá fartano...

Falano nisso, no sábudo, quando que eu cheguei lá com o salaro que a sinhora pagô pa eu, dinhero contadim certim pa pagá as conta da padaria, do mercadim, da farmaça, da luz, da água e do diabo a quato, vei um caboco dos inferno c'a cara tapada numa masca de motoquero de filme de gringo, cu'a faca destamanho na mão, e robô o meu dinhero tudim, tudim! E quando que eu recramei c'o disgramado dizeno que eu tinha trabaiado muintcho duro pa ganhá aquele dinhero suado e que ia fazê muintcha farta pa nóis, ele inda disse na cara dura que eu que era é muintcho troxa de trabaiá, purcausdiquê eles lá veve muintcho bem c'a tal da bolsa famia, c'o vale gás, c'o siguro disimprego, c'as ajuda tudo que o guverno dá pa quem qué ficá no bem bão, feito ele. E que ele armenta essa ajudinha tirano máisi um bucadim dos troxa feito eu que inda trabaia feito u'a jumenta pas madama do Prano e do Lago Sul -- a sinhora adiscurpa a osadia, que é dele e não minha --, lá onde que ele nem tem de ir, nem num pricisa si dá o trabaio de ir, purcausdiquê a troxa aqui já leva tudim pa ele, pertim de casa, tem nem de pegá o ômbus, nóisi faiz o sirviço pa ele que só tem de pegá de nóis...

Aí no dumingo eu maisi o Zé e os minino foi no culto... Quando que cabô o culto, veio o pastô falá pa nóis "que não tá certo isso de ocêis butá os minino na iscola dos padre, não" e aí eu falei pa ele que "tá bão, se o sinhô arruma pa nóis uma bolsa de istudo, que nem que a que os padre deu pa nóis, prumode butá os minino numa iscola boa, mas boa meis ingal a dos padre, de sua iscôia e preferença, nóis tira os minino de lá"... O pastô falô de novo pa sinhora alguma coisa disso, falô? Nem pa eu, nem po Zé, nem pa ninguém. Ficô caladim! Uai! Se é os padre que vai dá uma boa inducação pos meu minino, pa eles saí da lama um dia e vivê mió que nóis veve agora, nem num quero nem sabê se é catolco, potrestante, invangelco, isprita ou o que fô! Na iscola do guverno, pió que pocilga, onde que farta professô, farta cartera, farta merenda, farta giz, farta tudo, inté insino farta, máisi sobra marginal e minino bandido, lá é que eles num vai tê futuro meis, né?

Linhais, purcausdiquê os minino tá istudano bunitim lá na iscola dos padre, os muleque lá do Itapuã num pára de zuá c'os coitadim! Eles ranca as muchila deles, joga no barro, adispois joga barro no uniforme dos coitadim e inda fica falano pa eles "viadim, viadim, filim da mamãe, filim do papai, riquim de merda, vai virá padre e usá saia, viadim!"

Aí eu máisi o Zé levô eles pa tumá sorvete na lanchonete adispois do culto, prumode eles isquecê as provocação dos muleque senducação... Tava nóis lá quetim tumano o sorvete, dirrepente cumeçô um tiroteio doido em vorta de nóis!... Aí nóis pulô ligero po chão, se arrastano pa dibaxo das mesa, sujano a ropa de dumingo tudinha, prumode num levá uns pitoco de bala... foi quando que caiu um, mortim da silva, bem do lado nosso ali, chei de sangue ispirrano pa tudo que é lado... e os bandido que atirô nele inda foi anadano divagarim, sem pressa ni'uma, purcausdiquê eles sabe que num vai pa cadeia, nem num ia nem se tinha puliça ali naquela miséria, inté purcausdiquê o Zé disse pa eu que aquilo lá era acerto de conta de traficante, um brigano com o outro pa tumá o ponto da boca, disputano friguisia...

Adispois do susto brabo, c'o coração pulano na boca, nóis foi pa casa, prumode banhá e butá ropa limpa... chegano lá, cadê que tem água? Ein? Cadê que tem água?... Nóis paga a conta em dia e num paga poquim, não. Linhais, tem lá na conta uma tal de taxa de isgoto, isgoto nóis nem num tem, mas eles veve cortano a água nossa! E quando que nóis vai recramá, eles diz que crebô os cano sei lá onde, que os vizim tá fazeno gato -- e eles faiz meis, faiz gato de água e de luz e adispois nóis é que paga o pato --. Os home vai lá e corta a água e a luz de todo mundo, fica um dia, dôisi, trêisi tudo sem banho, c'as privada cheia e fidida, c'as ropa impiada no tanque, c'a pia da cunzinha lotada de vasia chuja, a casa tudinha uma chujera só!...

Intão a sinhora adiscurpa eu, que eu sei que a sinhora é pessoa de bem e vai comprendê que tem dia que nóis chega quási disanimá de tanto disgosto, máisi num foi intenção minha atrasá desse tanto, não... Vô só tirá o barro do corpo e dos pé, trocá a ropa e já-já pego no batente, viu?

*

Esse conto foi inspirado em fatos reais. Infelizmente, muito reais.

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 05/11/2009
Reeditado em 28/03/2010
Código do texto: T1906062
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