Fábula Contemporânea 11
As nozes guardadas para o Natal
Era quase Natal, lembras-te Romualdo? A Avó não deixou que os netos comessem as nozes que alguém lhes trouxera da Lousã. Se me lembro, disse o rato Tomás alisando o pêlo cinzento. Na altura, nós e o resto dos manos fomos retirando da caixa de cartão, uma a uma, as nozes que a senhora colocara sobre as alturas do armário da velha cozinha. Aquilo é que eram casarões bons, comentou o ratinho mais velho. Recordo-me que corríamos os sótãos de todo o lado esquerdo da Estrada da Beira, ao Calhabé, hoje Rua do Brasil, em Coimbra. Eram húmidos degradados, cheios de magníficas entradas para nós e para o vento que assobiava no inverno. E a água, mano? Lembra-se das caleiras que nos levavam, em menos de nada, até ao fim da rua? Oh que saudades das serenatas às raparigas da casa, da malta das Tunas que envelhecia e não se formava, dos doutores de capa e batina…
Mas…conte das nozes mano Tomás. Conte das nozes, gritou entusiasmada a Ratargaridinha. Eram rijas e nem sempre se deixavam roer, disso me lembro eu bem, recordou Romualdo com ar saudoso. Acabámos por jogar à bola com umas e praticar o boliche com outras, no forro por cima do quarto da Avó, durante a noite toda! O que ela praguejava por não poder dormir! O que ela lamentou não ter deixado os meninos comer as nozes! O que se penitenciou! Bem me lembro, Tomás, Bem me lembro. Aquela velhota era o exemplo típico da habilidade e da poupança. Parece que ainda a vejo a descascar batatas, rezar o terço e conseguir, ainda, meter a colherada nas conversas, tudo ao mesmo tempo… “Para nada deixar de fazer e em todos reinar, a sua família deixava a penar”. Rima e bate certo não é Tomasinho?