Cabra Macho
Isidoro Machado
Era muito valente, cabra macho.
Quando estava chegando a casa, era um Deus nos acuda. Sua mulher ficava aflita, verificava varias vezes se tudo estava em ordem, casa, roupa limpa, comida na mesa, crianças arrumadas, tudo.
Ele chegava. Cara amarrada, feia mesmo, monossilábico. Estendia a mão para as crianças beijarem. A benção pai. Sua benção, meus filhos. O rei chegou. Sua mulher trazia o tradicional copo de cerveja, com tira-gosto, sorridente dando boa noite, perguntado se estava tudo bem, se precisava de mais alguma coisa, além dos chinelos. Nem respondia, apenas fazia um gesto com a mão. Não dirigia uma palavra a ela. Bebia e reclamava que a casa estava imunda, tinha que dar graças a Deus de ter casado com ele, uma mulher burra, feia, gorda e tudo que não prestava. Estava acostumada, suas palavras já não doíam tanto, menos que sua mão. Após jantar, como todos os dias, tomava banho e como sempre tinha que esfregar-lhe as costas.
Recolhia-se ao quarto para, deitado assistir TV. Ela jantava, dava as crianças. Lavava a louça. Punha as crianças para dormir. Tomava seu banho e resignada ia para o quarto, como quem vai para o calabouço, cumprir sua função, sua obrigação de esposa.
Tinha que sorrir. Fingir. Sentia-se violada, ultrajada. Costumava fechar os olhos e viajar para bem longe, abandonando seu corpo. Gostava de ouvi-la gemer, o que fazia, além de chorar.
Achava ele, que era de prazer e exultava.
Amor de cabra macho é assim mesmo.
Pena que o veneno de rato em sua comida demora tanto para fazer efeito.