Melhor Sorte
Quando ela faltava ao trabalho, no outro dia vinha de óculos escuros. Com toda certeza a violência doméstica mais uma vez tinha imperado lá em sua casa. Chamava-se Valquíria, tinha trinta e dois anos, analista de sistema. Há seis anos trabalhava na empresa, competente subiu por seus méritos e chefiava o setor.
Mas se o sucesso profissional a encontrara, o mesmo não se podia no casamento. Pedro um técnico em informática era muito instável, inseguro e violento. A filha de três anos, Marta, já tinha presenciado espancamentos, xingos, a mãe apanhando por diversas vezes e por qualquer motivo. Martinha também insegura era violenta, chorava por tudo, gritava por tudo. Acordava todos os dias molhada, tinha urinado na cama. Psicologicamente abalada, já demonstrava sinais de que seria uma pessoa difícil. Era muito trabalhoso para a babá e para a doméstica que cuidavam da casa e dela, pessoinha tão geniosa.
Valquíria, cansada, depressiva estava carente. Não desempenhava como antes e estava na mira da diretoria da empresa para ser demitida. Não entendia porque Pedro a tratava tão mal. Não dava motivos. Ajudava com o sustento da casa e nos investimentos do marido, diga-se de passagem, negócios muito ruins que geralmente acabavam em prejuízo. Ele vivia devendo e deixando a família em situação muito apertada.
Ela, por sua vez, vivia sob antidepressivos, pílulas para dormir, sempre à base de remédios. Diante do espelho não era mais aquela moça que chamava atenção por onde passava agora uma mera senhora mal amada e mal humorada.
Pedro, ao contrário, quando fora de casa era “o cara”, animado, amigo simpaticíssimo. Convidado para todas as festas, nunca aparecia com Valquíria. Aparecia como o “solteiro” da vez. Valquíria sofria muito por isso, também. Ele fazia dela uma mulher ultrajada e psicologicamente abalada.
Mas um dia, na sauna, Pedro caiu na real. Um amigo sincero e corajoso, o Martinez, falou tudo com Pedro, sua opinião e o que ele pensava sobre Valquíria. Era amigo da família e conseguiu trazer Pedro para uma reflexão nunca antes consentida. Esse, saiu do clube a mil por hora, queria chegar em casa e tentar reaver a família. Tinha saído no dia anterior sem dar satisfação, e como que por milagre reconheceu o que Martinez lhe dissera e se não fizesse alguma coisa concreta, verdadeira, iria perder a família. Pensava em fazer tanta coisa, dizer, provar o quanto estava errado e que iria realmente mudar.
Mal sabia ele que a frágil Valquíria falecera naquela tarde, de infarto fulminante. Talvez com a filha, Martinha, ele tivesse tempo e melhor sorte.