Na memória daquela menina haviam movimentos confusos desenhados por visões, lágrimas escondidas, sorrisos latentes, gritos de dor, traumas, força, coragem e medo.
Era uma família que crescia muito rápido. A menina sentia que pra cada irmãozinho novo que surgia, a sua responsabilidade aumentava, e muitas vezes não sabia lidar com sentimentos tão intensos. Uma criança hiperativa que não conseguia organizar as idéias e sentia que ninguém a entendia.
Aos cinco anos de idade, sonhava todos os dias que estava na escolinha, aprendendo a ler aquelas cartilhas que seu pai ensinava e repassava para os dois irmãos mais velhos, todas as noites, depois que chegava do quartel.
Queria que seu pai lhe desse a mesma atenção. Então ficava espreitando e aprendendo tudo pelo outro lado da porta. Chamava o pai para mostrar o que já tinha aprendido, mas ele pedia para esperar o tempo certo de entrar na escola.
Nossa personagem sofria de uma ansiedade perturbadora. Aprender a ler e escrever era só mais um sonho que virou conquista alcançada precocemente.
O pior é que seu pai estava certo. Ao entrar para a escola, já sabia quase tudo que tentavam ensinar e isso provocou inimizades e isolamentos que marcaram sua vida.
Tentava superar as antipatias, conquistando suas tias. Assim conquistava sempre a vaga de líder da turma, anotando tudo que a professora pedia. Aprendia a usar ferramentas como honestidade, lealdade e disciplina e assim crescia superando todos que atravessavam seu caminho.
Mas, por conquistar sempre uma posição hierárquica invejável na sala de aula, os amigos eram cada vez mais escassos. As meninas da sala viviam cochichando pelos cantos e sempre que tinham alguma oportunidade a colocavam em alguma armadilha. Mas tinha seus admiradores e sempre eram meninos mais sérios e que tiravam as melhores notas.
Sempre que o pai voltava das reuniões escolares com a mãe e boletins em punho...podia esperar novos horrores a serem registrados na memória de nossa ainda pequena personagem.
Certo dia o pai convocou a menina, mostrando seu boletim e perguntou porque o boletim todo estava cheio de “0”. Isso provocou um distúrbio de sentimentos confusos na menina. Após gaguejar muito e ensaiar argumentos como:
- Eu não sei o que houve, pensei que estava indo bem! Tem certeza que esse é o meu boletim?
Com longas gargalhadas seu pai explica que não era zero, mas “O” de ótimo para todas as disciplinas.
Certo dia, após uma reunião de pais e professores na escola, a menina correu e perguntou para a mãe o que tinham falado a respeito dela. Sua mãe com um semblante muito sério disse que a professora a classificou de criança hiperativa.
Ela não sabia o significado e pensou ser uma coisa muito ruim, até que o pai interferiu e explicou direitinho o que significava, dando um singelo parabéns.
E assim a menina desenvolvia a ansiedade de superar nos estudos com a esperança que um dia eliminaria toda a sua carência. Pois era isso que dentro do seu pequeno coração mais doía.