Voltando a página

Diários antigos são sempre uma grata surpresa. Não foi diferente naquele dia quando Alicia encontrou recordações guardadas em caixas empoeiradas no quarto de despejo. Lá estava ela sentada ao chão separando o que valia à pena levar na mudança - havia casado-se há quase dois anos e só agora, com a gravidez, ela e o esposo tinham decidido mudar para uma casa maior.

Na verdade não eram diários, mas sim agendas nas quais cuidadosamente fazia observações sobre o dia-a-dia e sobre sentimentos. Recados em pedaços de papel, embalagens de chocolates, flores ressecadas, ingressos de shows, cinema e tickets de viagens representavam a bagagem que havia deixado para trás. Já havia esquecido detalhes sobre algumas situações registradas na agenda: o dia da formatura na universidade, a decepção com antigos namorados, o primeiro porre... Entre risos e saudades uma coisa chamou a atenção: a maioria das páginas registrava compromissos e fotos com amigas das quais não tinha mais notícia. Principalmente a sua melhor amiga, Bia. A vida havia afastado-as e com o tempo perderam o contato.

Emocionou-se a cada página virada e lamentou a distância. Em uma das páginas relembrou uma viagem feita com a turma de faculdade ao campo, onde viveu grandes emoções. Relembrou os conselhos ouvidos de uma velha e sábia senhora que tomava conta da chácara onde a turma se hospedou:

- Você sabe o que leva da vida? Amores vão, filhos saem de casa e familiares se desentendem, mas a amizade verdadeira é o nosso bem mais valioso.

Era essa riqueza que faltava na sua vida. Tinha um casamento feliz, seguiu com prazer a profissão escolhida e agora foi abençoada com um filho. Mas lhe faltava algo. As reuniões sociais soavam às vezes monótonas, com conversas cuidadosamente formais. Nunca mais havia se sentido como naquela época, livre para falar o que viesse à sua cabeça sem o medo do julgamento alheio. Ter alguém em quem confiar e conversar horas seguidas despretensiosamente. Queria se sentir assim de novo, mas como restaurar essa ponte com o passado? Resolveu iniciar já. Superou o medo de não ser reconhecida pela amiga, ou de que a amizade não tivesse sido tão importante para ela. Começou ligando para os telefones da velha agenda. Por sorte, um dos números ainda pertencia aos pais de sua grande amiga. Por eles soube que Bia acabara de separar-se e estava com viagem marcada para Madrid. Portanto deveria se apressar.

Foi uma surpresa quando a amiga atendeu à sua chamada no celular. Prontamente marcaram o reencontro. E foi como se tivessem se falado no dia anterior, tamanho o afeto e a cumplicidade entre as duas. Esse é o grande segredo da amizade - nem a distância, nem o trabalho, ou mesmo a família é capaz de anular o carinho e a afinidade entre amigos. Bia sentiu-se resgatada por ter recuperado a sua amiga em meio a um processo traumático de divórcio. Tanto que decidiu abreviar a viagem que faria. No lugar de um ano, passaria apenas três meses na Europa, pois havia encontrado uma mão para lhe apoiar na reconstrução da sua vida.

Daí foi apenas um passo para reunir a velha turma de faculdade. Nos tempos de amizade virtual e recados rápidos deixados no orkut, achar um tempo para dedicar ao outro não é tarefa fácil.

- É engraçado como inventamos um monte de desculpas para não nos reaproximarmos das pessoas queridas, pensou Alícia. Mas com um pouco de dedicação e amizade, vale a pena resgatar as muitas mãos que esquecemos pelo caminho. Vale a pena registrar novos reencontros no diário da vida.

Patrícia Diniz Santos
Enviado por Patrícia Diniz Santos em 15/10/2009
Código do texto: T1867261
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