Papo de mãe

Longo dia. Entro no elevador e aperto o botão de número nove. A porta se fecha. Nada acontece. Um, dois, dez segundos se passam e nada acontece. Observo a minha cara de panaca no espelho do elevador. Uma versão mais contornada de Olivo Dinardi. O homem vencido pela sua geração. Olhos caídos. Pele oleosa marcada por anos de acne. Roupas da adolescência que ainda lhe servem. E essa porra de elevador que não se mexe?

Depois de um belo chacoalhão a gaiola iniciou a escalada. Ufa! Enfim só!

Abro a porta esgotado, e logo ouço as baquetadas do rabo do Capitão pelos vasos e portas do “apertamento”. A tolice canina é tão atrativa quanto a feminina. Quando você menos percebe está cheio de saliva com pêlos, jogado no chão.

Em menos de três minutos já estou de cueca na cozinha preparando um lanche de qualquer coisa. Requeijão com mussarela. Queijo com queijo.

- Boa noite Oli, você vai ficar doente comendo só isso todo santo dia.

- Boa noite, mãe. Eu já sei.

- Tem presunto na geladeira.

- Como foi o seu dia? – perguntei, já inspirando fundo.

- Foi tudo bem. Ah, Oli esses desgraçados da OAB...você acredita que...mas quando eu quiser...eles não fazem nada...olha só...veja bem...nunca mais...e pior...ainda por cima...é um absurdo...

Mas a resposta era muito simples! O que aconteceu com o “Meu dia foi razoável. Me avise se quiser conversar”? Lembram-se dos esporros por encontrar um isqueiro na sua calça, ou encher a cara no ano novo, ou até mesmo por voltar dois dias depois de “Já volto, só vou dar um pulo no boteco”? Que saudades deles! Agora eu entendo por que o velho caiu fora de uma vez. Na realidade, porque era um sádico filho da puta, mas de qualquer forma, é tortura chinesa agüentar o papo da velhinha. Eu entendo perfeitamente que em breve eu vá sentir uma ponta de culpa, resquícios da formação cristã pela guela abaixo, e até mesmo sinta falta da “boca nervosa”, mas tá foda!

Sem dúvidas existem certas pessoas que conseguem hipnotizar os transeuntes de tal forma, que quando você menos percebe está com os olhos vidrados em algum ponto, ritmando um compasso de dois “Hm...” para um “Puxa vida!”. Usando também variantes para feições radiantes, como “Puxa, que legal!”, e para feições aflitas “Puxa, que pena...”.

A palavra é uma arma. Bem parecida com um chicote velho.

Dam Barba
Enviado por Dam Barba em 15/10/2009
Código do texto: T1866873
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