Dia de Babel (Comente)

A chuva fina varria as janelas do hotel, estava um pouco frio naquela manhã. Poucos transeuntes circulavam pelas calçadas daquela pequena cidade. As luminárias da rua ainda encontravam-se acesas e a incidência da luz juntamente, com as gotas de chuva, criava uma pequena aquarela vibrante sobre o chão. Fiquei na sacada do hotel por algum tempo observando aquela composição frenética. Desci para o primeiro andar, pois o café da manhã já estava sendo servido e não queria atrasar meu desjejum. O salão onde era servido o café era bem modesto, mas aconchegante. Tomei uma xícara de chocolate quente acompanhada de duas fatias de bolo. Havia cerca de cinco pessoas no recinto, ou seis. Contudo lembro -me bem de uma senhora em particular. Lá estava aquela velha varrendo sua inquietação sobre a sua idade infecunda. As mãos tremiam como um abalo sísmico em sua maior escala, os olhos pareciam sitiados em uma eterna fadiga. Aquela senhora magra e de face ossuda babujava na xícara uma secreção branca. Normalmente isso me daria náusea, mas havia algo dela em mim. Enquanto a observava tolerantemente, duas moscas gordas orquestravam um zumbido infernal sobre a borda do meu copo. Mas, em seguida voaram em direção ignorada. Aquela senhora de alguma forma me fez pensar em toda minha árvore genealógica. Quase senti saudades de minha família. Voltei para o quarto para acertar os últimos detalhes. Na cabaceira da cama havia uma bíblia, mesmo não sendo cristão resolvi ler alguns versículos do livro de provérbios. Eram versos fortes que quase me fizeram refletir sobre a dita vida eterna.

Já passava das dez da manhã e eu tinha que fechar um negócio importante na cidade. Mas minutos antes de sair fechei a conta no hotel, mesmo não tendo necessidade de pagar naquele momento. Parei com o carro a oito quadras de onde estava hospedado, peguei minha maleta e retornei no lugar a pé à rua adjacente. Fiquei frente ao endereço que me foi passado. Deixei a maleta entre aberta, admirando as duas pistolas novinhas que reluziam as cores das sentenças. Um homem loiro e alto estava acabando de sair acompanhado da mesma senhora que eu observava a pouco. Fechei novamente a mala e pela primeira vez me senti um Caim fracassado.

Marcos Marcelo Lírio
Enviado por Marcos Marcelo Lírio em 14/10/2009
Reeditado em 28/10/2009
Código do texto: T1865944