vida longa ao ídolo morto

Um dia qualquer

Minha camisa predileta é uma da banda Rage Against the Machine, vermelha e com uma estampa de um barbudo de boina. Minha mãe insiste em dizer que o cara é o Che. Eu insisto em dizer que, independente de quem ele seja, esse disco do Rage é muito bom. Esse tal de choque de gerações é uma merda, meus pais dizem que não há sentido em usar essa camisa com tênis All Star, mas eu não tô nem aí.

Sabe de uma coisa? Estamos em meados da década da minha adolescência e meu herói da música se matou no início do mês. Quando fiquei de luto para homenageá-lo minha mãe tirou um sarro, falando que a geração dela enlutou-se para ídolo muito mais digno, o John Lennon. É, mas quando ele largou os Beatles para ficar com a Yoko Ono falaram mal pra caramba dele. Cada um tem o John Lennon que merece. E só no futuro saberemos como eles serão lembrados.

Falando em futuro, eu não faço a menor idéia de o que me espera. Cresci assistindo o desenho dos Jetsons, mas acho mais provável que um dia o futuro seja como no filme Mad Max, não aquela burguesia feliz do Hanna/Barbera... Mas deixa pra lá, de que adianta eu ficar aqui, bancando o grunge, escrevendo para não mostrar a ninguém? Então, seja lá quem ler isso, espero que tenha mais sorte que eu.

Um outro dia qualquer

É cômico quando, no meio de uma mudança, achamos papéis velhos. Achei um que escrevi há mais de dez anos e não resisti, tenho que responder a mim mesmo. Nós estivemos e sempre estaremos perdidos, sem ponto de referência. Sou filho de uma geração que peitou a revolução, que assistiu “Hair” no cinema. E daí? De que adiantou tanta “paz e amor” se me largaram na frente de uma TV? Deu nisso.

Diferente do meu “eu” do passado, sou um cara que, sim, tem sorte. Gosto de ler. Mas, infelizmente, tenho amigos idiotas. Tem gente da minha idade que, se ouvir “Cavaleiro da Esperança” vai lembrar do filme “Senhor dos Anéis” ou qualquer coisa assim. E isso é triste. Ora, nós tivemos a oportunidade de mudar a história e vimos ela mudando diante dos nossos olhos. Mas... não nos sentimos parte dela. Por exemplo: pela primeira vez temos um presidente negro nos Estados Unidos. Muito emocionante, muito legal, muito histórico. Só que eu e meus amigos nunca lutamos contra o apartheid. Isso é a concretização do sonho dos outros, não do nosso.

Por enquanto, nenhum dos sonhos que tive pude realizar. Mas sei que eles são os que não precisam acontecer mesmo. A pergunta que deixo para o “eu” do passado refletir e o “eu” do futuro responder é: quais são os reais sonhos da nossa geração? Para que estamos aqui?

Um novo dia

Estava arrumando minha coleção de filmes e resolvi assistir pela enésima vez ao “De volta para o futuro”. Adoro o segundo filme desde que era moleque, ficava imaginando como seria o ano de 2.015. Estamos quase lá. O que mais aguardo é a invenção do tal skate que voa. Mas ainda vejo esse ano com olhos longes, olhos de criança. E o fato é que já estamos tecnologicamente muito mais além da ficção. Então o que nos resta? Fico pensando em que tipo de futuro meus filhos irão ansiosamente esperar.

É, ultimamente tenho pensado muito em ter filhos. Parece meio absurdo vindo de mim, mas como só recorro a esse caderninho quando entro em crise, aí está uma confissão. Ter o filho em si, não é o problema. Que mundo deixarei para ele? Um mundo que não compreende que depredar o meio ambiente é suicídio? Pô, isso é até sacanagem. Será que ele vai se sentir tão perdido quanto eu e minha geração?

Às vezes penso que um socialismo seria uma boa forma de mudar o mundo. Para os meus filhos, é claro. Mas seria preciso que todos os pais fizessem sua parte, não só como militantes, mas como educadores. Sou de uma família que até pouco tempo era chamada de “comunista”. Ouvi por longos anos meus pais dizendo que ainda dava tempo de fazer uma revolução; depois eles simplesmente pararam de tocar no assunto.

Será que é possível alguém desistir de um sonho? Bem, se eu tivesse um, acho que não faria isso. Pelo menos até se esgotarem todas as possibilidades. E se eu olho para o meu lado, vejo uma garrafa de Coca-Cola; na minha frente, a TV ligada em um reality show. E eu aqui, pensando na revolução. Que patético. Sabe de uma coisa? A minha mãe que tava certa: o comunismo morreu. Agora eu lembrei da minha antiga camisa do Rage Against the Machine. Coitado do Che.

Deborah O Lins de Barros
Enviado por Deborah O Lins de Barros em 09/10/2009
Código do texto: T1856759
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