mulé e mulher (Comente)

Êta cabra bunito. Quê isso dona Josefina! A sinhora já passou da idade. Advertiu a amiga Z. Sabe lá na obra perto de nossa casa Z.! Sim, respondeu a amiga Z. Têm dois pião me disputando a olho. Cruz credo dona Josefina, a senhora se dê o respeito. Que nada cúmade, disse Josefina: Fiquei vinte anos sozinha depois quê Francisco Morreu. E o que me sobrou? Eu mesmo digo! Nove filhos ingratos, pressão alta por conta da raiva que o falecido me fazia depois que bebia umas e outra, e cento e vinte quilo mal distribuído pelo corpo. Sabe Z. sofri demais nessa vida. Cansei sabe! As menina de hoje em dia, é que tá certa. O negóço é beijar na boca e ser feliz. Dona Josefina é mior a gente parar com essa prosa. Vamô lá pra feira que agente ganha mais.

Enquanto Z. escolhia tomates, Dona Josefina pechinchava com peixeiro, garantindo assim a moqueca de domingo. Esse pexe tá muito fêi. Quero disconte. O peixeiro olhou-a com uma expressão meio diabólica, mas lhe deu o tal desconto. Quem não chora num mama, num é... disse ao peixeiro. Penso que no fundo ele queria mandá-la ao diabo que carregue. Mais adiante da barraca de peixe acontecia um divertido forró, um verdadeiro arrasta pé. Josefina ao olhar para o tal forró reconheceu Digão, o tal pião (peão) da obra. Digão estava debruçado sobre um balcão de madeira. Camisa entreaberta, bigode aparado. Em uma das mãos segurava um copo contendo uma dose de cachaça. “Posso dizer” que o fulano de tal já devia ter tomado umas cinco pingas. Josefina aproximou-se do cabra fingindo não vê-lo, mas foi inevitável que ela não fosse vista por ele. Mas não que seu fingir não vê-lo funcionasse. Ele não teve a mesma oportunidade, pelo detalhe citado. Num sabia que gostava de feira, disse Josefina ao peão. Ele distorceu os olhos sorrindo com os dois únicos caninos que compunham sua arcaria e a respondeu dizendo: as veis eu vêm aqui tomar uma cana e comer um tira gosto. Dona Josefina se arriscou em prolongar a prosa. Esqueceu até da amiga Z. que teoricamente já estava em casa. A sinhora gosta de forró? - perguntou o cabra. Sim gosto, respondeu Josefina. Vâmo dançar, disse o cabra. Vâmo, respondeu Josefina. Caíram então os dois no forró. Josefina tomou umas três cervejas com o cabra, após dançar. Pareciam se conhecer a muito tempo, tamanha era a intimidade dos dois. Após terem dançado, bebido e gargalhado, o tal casalzinho se arriscou em um namoro, digamos um tanto mais atrevido, que aconteceu por detrás de uma kombi velha. A felicidade é mesmo a vizinha da decepção. O namoro entre o casalzinho esquentou tanto que dona Josefina não resistiu e enfartou nos braços de Digão. Seria ironia do destino morrer ao amar? Ou sórdida conspiração contra os que buscam o alívio carnal.

Marcos Marcelo Lírio
Enviado por Marcos Marcelo Lírio em 08/10/2009
Reeditado em 28/10/2009
Código do texto: T1855368