Texto para o dia de Todos os Santos.
Texto para o dia de Todos os Santos.
Alexandre Menezes
Recordo-me de uma adolescência normal e, inicialmente, gostar de coisas comuns. Digo inicialmente porque sempre tive a estranha mania de alterar tudo. Meu mundo era quase todo modificado. Acredito que fosse para ver mais graça e poder suportar as atividades que muitas vezes eram sugeridas, na realidade escolhidas, pelos meus pais. Outras vezes, a velha e habitual falta de coordenação motora colaborava para tanta falta de jeito.
Uma das coisas que os pais escolhem para gente é ir a igreja. Fui batizado tão novo que até hoje olho as fotos e acho que não sou eu. Nas fotografias, um bebê o tempo todo com o olhar voltado para cima e, se for eu mesmo, deveria ser a iniciação da minha mania de ficar olhando para o alto imaginando coisas, até porque o teto da paróquia não é muito atraente.
Continuei freqüentando a igreja. Era levado às missas, novenas, encontros da renovação carismática ou por minha mãe ou por minha avó que afirmava que eu era o que mais precisava. Já meu pai, quando elas vacilavam, me levava a bares e festas. Boa parte dos meus domingos pela manhã foram dedicados às aulas e encontros da pré-catequese, Primeira Eucaristia, Perseverança, Crisma ( duas vezes) exatamente nessa ordem.
O padre já me conhecia e acredito que gostava de mim. Todas às vezes em que eu era enviado à coordenação da catequese ele pedia para que lhe relatasse os fatos e acabava quase morrendo de rir. A coordenadora não aprovava muito o comportamento dele, mas dizia a mesma coisa quando ele se retirava: “o Capetinha é amigo do chefe da igreja”.
A primeira vez que freqüentei o curso de Crisma alguns fatos levaram que a coordenadora e minha família concluíssem que eu não estava preparado. Fui desligado dele na fila do dia em que o Bispo diria amém. A barra já estava suja após eu ter encenado o Evangelho Segundo o Dom Alex, meu primeiro stand-up sem nem saber o que seria essa tal de humor de cara limpa. Sujou de vez quando no encontro de jovens resolvi canonizar minha própria Santa.
Três dias no mesmo local falando de coisas bonitas, vendo gente chorando por arrependimentos ou felicidades, comendo galinhada e pedindo perdão é até legal, mas cansa. Há 15 anos o mundo já era bastante acelerado, mas para um adolescente ver um peitinho era bem mais difícil do que nos dias atuais. Mulheres, sempre por elas fiz burradas, me ferrei, me atrapalhei. Deus convidando e aquela “diaba” me atentando. Já que eu estava ali querendo crismar e ela me querendo, não teve jeito, sem nenhuma maldade, misturei fé com hormônios e nasceu o segundo trágico e cômico espetáculo teatral: o eliminatório.
Minha coordenação motora nunca foi muito boa e, como ela não permitiu eu arrebentar a alça daquele maldito sutiã com os dentes, pensei: Se tem a mãe da Divina Providência e a Desatadora de Nós vou rezar para a que desabotoa alças de sutiãs. Numa sala vazia, canonizei minha santa e criei sua oração ao ouvido da garota que apenas repetia e dia “Dom, reza mais que abre, reza mais...” Foi com ela a primeira e a última vez que vi uma performance de Streep ao som de uma oração.
Acredito que aqueles catequistas tinham um comportamento voyeur. Em poucos minutos, eu já havia canonizado santos, santas e criado orações para todas as peças de roupa que não mais vestiam a minha colega de turma. Lá fora, não suportaram eu chamar pela abridora de pernas e, ao entrarem sem ao menos avisar, interromperam quando começaria sua oração e, em seguida, chamaram nossos pais e o padre. Afirmaram que fomos descobertos numa ronda sem nenhum propósito, mas souberam contar toda a história para eles desde o início: santa por santa. Mentirosos.
Passados alguns dias, o padre, escondendo o riso, me aconselhava pacientemente e dizia que Deus castigava tais brincadeiras. Minha mãe, por vergonha, pediu para que eu me transferisse de igreja e me crismasse em outro lugar, mas só quando eu sentisse vontade. A garota crismou, mas tinha uma devoção aos santos que era só me ver. Eu voltei ao curso dois ou três anos depois um pouco mais maduro só que as mulheres continuaram a me desconcentrar. Já as santas e os santos, acho que eles nunca abandonam seus devotos, porém, como prometi a minha mãe e ao padre, nunca mais os chamei para me ajudarem com outras pessoas. Sinto que eles sempre estão por perto porque, depois daquele dia, tudo se abre com tanta facilidade. Perdão e amém.