CEMITÉRIO DA CONSOLAÇÃO, UM PASSEIO PELA HISTÓRIA

Certos lugares, ao serem narrados trazem em si algo de deslumbramento. E assim, desperta a quem se compartilha, conquista certa admiração. Pertencem a essa categoria a visita a um museu, a uma galeria de arte, a um teatro e tantos outros. Mas quando se menciona que a visita fora a um cemitério, a primeira reação que se denota é certa inquietação ou repulsa. Sim, é compreensível até porque esse espaço, associado à perda de alguém, a uma vida que se foi e que pode ter deixado continuadores, nunca é lembrado como o legado de uma pessoa que teve uma história, que por mais trágica que tenha sido, por mais amores frustrados que tenha vivido, lembranças e saudades não correspondidas, não importa, naquele espaço eterno, repousa alguém que teve uma história.

Então, feita essa obvia constatação, esse que se atreve - e já se antecipa no seu pedido de escusas - a contar recente passeio feito ao cemitério da consolação.

Primeiramente, é preciso contar a própria história do cemitério. A defesa da sua construção fora feira já em 1829, pelo vereador Joaquim Alves Alvim, como uma necessidade substitutiva a pratica vigente de se sepultar os corpos no interior das igrejas. Acreditava-se que sepultados ali, em solo sagrado, as almas dos sepultos seriam auxiliadas na entrada para o Paraíso. Como essa prática trazia em si riscos à saúde, devido ao constante mau cheiro e a facilitação de epidemias, já naquela época, as autoridades higienistas propugnavam por um local destinado para esse fim. Por envolver questões religiosas arraigadas, o certo é que o debate acerca da construção

do cemitério se estendeu por quase 30 anos. Assim, sua inauguração só se dá em 1858, após três anos do início das obras.

Essa é, resumidamente, a história da necrópole da consolação.

Doravante, e buscando compartilhar essa minha experiência, ao leitor me dirijo, com a humildade necessária e a certeza que a ele não será exigido concordância, apenas a licença para a confissão de alguém que sabe que experiências compartilhadas, serão histórias revividas.

Então, entremo-los nesse espaço destinado ao descanso eterno. Ao Passar pelo portão monumental que Ramos de Azevedo (logo será assunto de outro texto) projetou para o cemitério, à direita, é impossível não parar diante do túmulo do padre Ildefonso Xavier Ferreira (1795 -1871). De origem paranaense quando essa cidade era uma comarca da província de São Paulo, o padre faleceu em sua casa, onde hoje é a Praça João Mendes. Foi um dos atores principais da iniciativa propriamente teatral que assegurou a Independência do Brasil no formato que veio a ter (maiores informações, no panfleto informativo disponível na administração do cemitério).

Na mesma direção, Rua 1-terreno três, está sepultada a Sra. Maria Domitila de Castro Canto E Melo, a Marquesa de Santos, na Rua 17 - terreno 17 encontra-se sepulto o poeta (já lembrado noutro trabalho desse que vos escreve) Mario de Andrade, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna, movimento que propugnava por uma arte eminentemente nacional que buscou romper com as influências européias. Bem próximo, na mesma Rua 17, localiza-se a sepultura de Oswald de Andrade, mas ao visitante, é preciso lembrar que fora sepultado no jazigo da família, isto é, o nome a ser procurado deve ser José Oswald Nogueira de Andrade, pai, e Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade, a mãe.

Também estão sepultados ali: O Barão de Iguape, patrono da família Prado, Monteiro Lobato, Caio Prado, os Matarazzo, Prudente de Moraes, Pedro de Toledo, Luiz Santos Dumont, enfim, transitar pelas ruas do cemitério da consolação, é fazer um passeio pela história do país. Nesse espaço, pequeno que é, não daria para reproduzir tamanha viagem, o que facilitaria para incorrer em enganos e parecer, embora sem intenção, querer ludibriar ao leitor.

Na quadra 13 - terrenos 21-22 encontram-se o Mausoléu dos Chapeleiros, da sociedade Beneficente dos Chapeleiros, que reunia os operários da Fábrica de chapéus de João Adolfo. Há também, sepulcros selados por tragédias, é o caso da sepultura de Moacir de Toledo Piza, terreno 12-13, quadra 82. Moacir Piza, advogado egresso da São Francisco, se apaixonara por Lina Machiaverni, também conhecida por Nenê Romano, uma cliente que processara, por atentado, membro de uma família abastada. Como a parte era detentora de vultosas posses, o processo ficou parado, sendo o advogado contrato por Nenê. Inconformado com o fim do namoro, Moacir matou-a com quatro tiros, matando-se em seguida, caindo sobre ela, na esquina da Avenida Angélica com a Rua Sergipe.

Por fim, há também relatos de histórias de amor. Na quadra 76 - terreno 30, está Luiza Crema Marzoratti, musicista, chopiniana. Falecera num primeiro de maio, num domingo. Seu marido, desolado, mandou embalsamá-la, para com ela retornar à Itália, de onde vieram. Não conseguindo, sepulta-a aqui e sua mãe, da Itália, manda uma placa de bronze com um poema em homenagem à falecida filha. Dizem que "nas tardes de outono, os que conseguem decifrar os grandes mistérios do amor imortal podem ouvir ao longe, por entre as ramas das árvores que cercam aquela tumba, os suaves acordes de um Noturno, de Chopin, dedilhado ao piano de uma ninfa invisível na sala de concertos da imaginação. E depois sair em silêncio pelo portão do cemitério que dá para a Rua Mato Grosso, o portão dos fundos".

Caro leitor, visitar um cemitério, ao contrário da tristeza que, à primeira vista denota, pode ser um passeio pelos corredores da nossa história e, imbuído desse aprendizado, encontrar pequenos fragmentos explicativos da nossa formação, e, ainda, descobrir que o amor, sentimento sublime por natureza, pode, mesmo no pos-morte, trazer a e fazer de nós, mestres da lembrança. E que mesmo na tragédia, o amor elouquecido, desperta aos viventes que por ali passam a certeza que ao se compartilhar uma vivência, dá a quem se destina, a primazia do julgamento. Naquele eterno descanso, não há certo ou errado, há história de alguém que por aqui passou e deixou sua marca.

É isso.