O SONHO DE VANESSA
O SONHO DE VANESSA
Já andava cansada daquele trabalho, embora lhe rendesse bem. Já dispunha de poupança na Caixa, onde deixava o dinheiro render, de olho na casa própria. Por enquanto, dividia um apartamento, tipo “quitinete”, com a colega Walkíria (que era Natália). Durante o dia não dormia o suficiente para compensar as horas perdidas na noite. Precisava de uma férias. A dona do randez-vous prometia, quando passasse uma “tal lei” que regulamentaria a profissão, que todas as suas “funcionárias” gozariam dos privilégios: férias, décimo terceiro salário, aposentadoria, enfim, tudo que tivessem direito.
Foi um deputado, pobre de imaginação, ou de espírito, com tantos outros problemas nacionais, que apresentou na Câmara Federal um projeto para dar às prostitutas uma vida digna, como das demais categorias profissionais. Vanessa (pseudônimo adotado por Alaíde), que deixou a família em Rondônia há mais de três anos, para vencer em São Paulo, achou uma idéia ridícula, inadmissível; que não teria aceitação na sociedade preconceituosa.
Não se considerava bonita dentre as demais colegas. Mas dirigia a atenção dos homens para o seu corpo esbelto. Os seios fartos e as nádegas empinadas completavam o seu visual. Talvez, por isso, fosse tão solicitada pelos freqüentadores da “casa da francesa”, imaginava.
- Um dia, pai, eu vou ser gente. Não aqui, nesta cidade, me desculpe, de merda, onde pobre não tem vez. Um dia, que não está longe, a vida vai mudar pra nós. Pode crer! Dizia, confiante, Alaíde. E o velho Inocêncio só balançava afirmativamente a cabeça.
Contou com a proteção do prefeito da sua cidade para aportar no grande centro. São Paulo, lá do alto, pela janelinha do avião, encheu-lhe a vista. Era mesmo, como ouvia dizer, uma “selva de pedra”. Otimista, como era, viu, naqueles instantes que antecederam o pouso em Congonhas, que o seu futuro estava lá embaixo. Acreditou na sua coragem e rejeitou o convite do protetor para lhe servir de companhia no hotel.
O anúncio no Estadão dizia: Admitem-se massagistas, mesmo sem prática, com ótima remuneração. Telefone tal...
- Ainda hoje tenho raiva do veado que me atendeu no endereço, ali perto da Estação da Luz. Além de desmunhecado, era muito viscoso. Logo foi me pegando pela mão e elogiando os meus “dotes” físicos. E assim me levou para uma sala, onde fez a minha ficha, que assinei embaixo, comprometendo-me cumprir com o regulamento da casa.
O teu serviço aqui não é pesado. Olha naquele quadradinho da parede como a tua colega “trabalha!...” É só aquilo que tens que fazer...”
Ali, sem serem vistos, ficaram a observar um casal num quarto simples, composto de cadeira, mesa de cabeceira e cama larga, tipo “solteirão”. O homem, grisalho, aparentando um setentão, livrou-se logo das suas roupas: camisa, calça e cueca, que, com cuidado, botou no encosto da cadeira, e deitou-se. A mulher logo saiu de trás de um biombo, só de calcinha e sutiã, e iniciou o “trabalho”. Beijava e, ao mesmo tempo, manipulava todas as partes do corpo masculino relaxado na cama. Em seguida, lambia, com uma velocidade incrível, toda a sua pele, a começar pelo dedão do pé, terminando nos seus genitais. Em poucos minutos, o parceiro foi “nocauteado”, como considerou.
- O homem foi vencido no primeiro round, sacaneou Vanessa, lembrando-se de Mike Tyson.
Walkíria quis saber se era uma massagem ou uma luta de boxe. Na verdade, para ela foi uma luta; um desafio do qual não podia fugir, estava no centro do ringue, afirmava confiante.
- Não houve outros rounds? Quis saber a colega.
- Com que gás, mulher? Acho que o véio saiu dali de padiola. Brincou.
Aquilo que ela via, pela primeira vez, foi uma espécie de aula teórica para praticar no seu primeiro “emprego” em São Paulo. Não teve saída. E, sem outra opção, foi à luta, constrangida, mas foi. Voltar para a sua terra, nem morta, depois de prometer ao pai que a vida iria mudar. Seria uma covardia.
Os classificados ofereciam outras oportunidades de trabalho em diversos setores, como encontrava nos jornais. Mas, os empregos estavam muito aquém do faturamento que Vanessa fazia mensalmente, mesmo como massagista, no princípio. E o seu lema era vencer logo. Prometeu. Para aquilo estava determinada. E, assim, encarou o serviço, que praticava com nojo, confessava à amiga.
- O meu primeiro “cliente” não reclamou. Mas não deve ter gostado muito do meu desempenho inicial. Dali pra frente, a necessidade ensinou a viver. Explicava-se.
- Eu não esqueço do conselho daquele “bicha” gerente da casa de massagem, que, aliás, devia se chamar casa de sacanagem. “Quanto mais depressa você ”despachar” o freguês, meu bem, melhor pra nós; melhor também pra você, porque a tua porcentagem, por dia, é maior. Bota isso nessa cabecinha, tá?” E bateu o pé, com as mãos nos quadris.
Como doméstica, sem nenhuma aptidão, ia quebrar a cara nas cozinhas das madames. E para qualquer outra atividade, não dispunha de referências anteriores. Não teve qualquer outro emprego. Justificava-se. Jogada por jogada na “selva de pedra”, tornou-se massagista. Que meu pai nunca chegue a saber! Pedia a Deus.
Enquanto conversava, pedia à colega que lhe desabotoasse o sutiã nas costas. Já com uma toalha em volta da cintura, encaminhou-se para o banheiro, preparando-se, assim, para enfrentar “as feras”, como dizia, no seu trabalho no sobrado da francesa.
Já fazia tudo aquilo automaticamente. Não tinha motivação. Viver com gigolô, como muitas colegas, não era do seu feitio. Não tinha um homem especial para se dedicar. Achava até que a rotina do seu serviço tornava-a fria; indiferente a um relacionamento com uma pessoa a quem viesse a se enamorar. Quase não sentia desejo sexual. Era, como se considerava, uma máquina de produzir orgasmos, que vendia para os mais variados tipos de homens. Evitou externar aquela frustração.
- Estou cansada dessa profissão, que escolhi por necessidade, pensando em realizar um sonho... Não sei se tu sentes isso também, Walkíria? Lastimava-se à amiga, que mais escutava do que falava, e que balançava a cabeça concordando. E, olhando o relógio no pulso, exclamou:
- Esqueceste da hora, Vanessa!?
Já passava das 20. Faltava pouco tempo para assumirem os seus postos na casa de madame Françoise, que era enérgica e exigia pontualidade.
A sala ampla, com algumas mesas redondas, enchia-se quase por completo de homens, mais coroas do que jovens. Por sinal, a esses, o preço dos encontros não lhes favorecia. Não lhes era acessível; exorbitava aos padrões da rapaziada, na maioria, estudantes de Direito do Largo de São Francisco. As “meninas”, insinuantes, tanto na maquiagem como na maneira de se vestirem, com decotes ousados, ficavam em poltronas, no lado oposto às mesas, à espera de convites dos “cavalheiros”.
- Perdi logo o interesse pela profissão de massagista. Continuava Vanessa, que não completou um ano de casa. Não mais do que isso. Outro anúncio de jornal colocou-a na famosa casa da francesa. Era outro status. O sobrado tinha outra freqüência.
- Eu tinha outra idéia daquele trabalho, sabe, Walkíria? Não sabia, jurava, que o objetivo da massagem era para levar os homens ao orgasmo, sem penetração.
- Também para aqueles cinquentões, ou mais, só mesmo daquele jeito... Você sabe que, na maioria, eles não dizem a verdadeira idade. Acho que é pra gente não saber que já estão broxas; que o pau já não levanta com facilidade. Só pode ser... Alguns, que atendi, aparentavam a idade que tem o meu pai, que, no próximo mês, vai fazer setenta anos. Pode?
Havia ocasiões que era convidada a trocar de papel. Pagariam dobrado. E a maneira delicada de alguns deixava Vanessa, às vezes, meio excitada, a ponto de aceitar a sugestão. Com esforço, se controlava. Viajava com o pensamento. E, com jeito, descartava o desejo do cliente. Ela não estava ali para sentir prazer. Aceitou a profissão. Assumiu um compromisso. Ademais, acima de tudo, estava o seu objetivo, que era ganhar dinheiro, como decidida estava desde que saiu de casa.
- Na tua terra não tem essas coisas, não? Walkíria quis saber.
- Deve ter. Talvez, em Porto Velho, que é um centro maior. Não tinha certeza. Raramente ia à capital do seu estado.
Chamaram um táxi e pediram pressa ao profissional. Não queriam decepcionar a parisiense, que vivia daquele métier desde que desembarcou em Santos, em 1950, onde, com uma companheira espanhola, abriu um cabaré na zona do Cais do Porto.
A decadência daquele setor, alguns anos depois, forçou o fechamento do negócio. A sócia foi embora para o Rio de Janeiro e ela para São Paulo. E ali, num velho sobrado da praça da República, estabeleceu-se. Logo ficou conhecida “a casa de madame Françoise”, até pelos respeitáveis senhores da tradicional sociedade paulistana.
Aquele futuro não foi o que sonhou Alaíde, quando deixou a sua terra. O pai, com uma pequena aposentadoria, não desejava um futuro igual ao seu para os filhos. Queria algo melhor para eles. Ela, então, resolveu ir em busca do sonho, que era o seu também. Prometeu ao pai que venceria. Mas, a cidade grande a decepcionou. Não lhe deu uma vida digna, como aspirava também da. Isaura, sua mãe, já falecida. E aquilo a martirizava. Vendia o corpo nas noites paulistanas para se manter e sustentar os familiares em Rondônia.
Em Ji-Paraná, sua terra natal, o velho Inocêncio vivia vaidoso. Aos amigos não se cansava de elogiar a filha, que, “bem empregada numa conceituada fábrica de calçados”, tinha cumprido com a palavra: venceu sozinha, naquele mundo que é São Paulo. Alaíde é uma “guerreira”, orgulhava-se.
O taxista enfrentava o rush do final de noite na avenida São João. Uma colisão de veículos dificultava mais o trânsito. Não estava fácil chegar à praça da República na hora aprazada. As mulheres, angustiadas, temiam a reação da “patroa”. Podiam perder o emprego, o que, infelizmente, aconteceu. A francesa foi impiedosa.
- E agora, meninas, qual o destino? Penitenciando-se, indagou o motorista.
O SONHO DE VANESSA
Já andava cansada daquele trabalho, embora lhe rendesse bem. Já dispunha de poupança na Caixa, onde deixava o dinheiro render, de olho na casa própria. Por enquanto, dividia um apartamento, tipo “quitinete”, com a colega Walkíria (que era Natália). Durante o dia não dormia o suficiente para compensar as horas perdidas na noite. Precisava de uma férias. A dona do randez-vous prometia, quando passasse uma “tal lei” que regulamentaria a profissão, que todas as suas “funcionárias” gozariam dos privilégios: férias, décimo terceiro salário, aposentadoria, enfim, tudo que tivessem direito.
Foi um deputado, pobre de imaginação, ou de espírito, com tantos outros problemas nacionais, que apresentou na Câmara Federal um projeto para dar às prostitutas uma vida digna, como das demais categorias profissionais. Vanessa (pseudônimo adotado por Alaíde), que deixou a família em Rondônia há mais de três anos, para vencer em São Paulo, achou uma idéia ridícula, inadmissível; que não teria aceitação na sociedade preconceituosa.
Não se considerava bonita dentre as demais colegas. Mas dirigia a atenção dos homens para o seu corpo esbelto. Os seios fartos e as nádegas empinadas completavam o seu visual. Talvez, por isso, fosse tão solicitada pelos freqüentadores da “casa da francesa”, imaginava.
- Um dia, pai, eu vou ser gente. Não aqui, nesta cidade, me desculpe, de merda, onde pobre não tem vez. Um dia, que não está longe, a vida vai mudar pra nós. Pode crer! Dizia, confiante, Alaíde. E o velho Inocêncio só balançava afirmativamente a cabeça.
Contou com a proteção do prefeito da sua cidade para aportar no grande centro. São Paulo, lá do alto, pela janelinha do avião, encheu-lhe a vista. Era mesmo, como ouvia dizer, uma “selva de pedra”. Otimista, como era, viu, naqueles instantes que antecederam o pouso em Congonhas, que o seu futuro estava lá embaixo. Acreditou na sua coragem e rejeitou o convite do protetor para lhe servir de companhia no hotel.
O anúncio no Estadão dizia: Admitem-se massagistas, mesmo sem prática, com ótima remuneração. Telefone tal...
- Ainda hoje tenho raiva do veado que me atendeu no endereço, ali perto da Estação da Luz. Além de desmunhecado, era muito viscoso. Logo foi me pegando pela mão e elogiando os meus “dotes” físicos. E assim me levou para uma sala, onde fez a minha ficha, que assinei embaixo, comprometendo-me cumprir com o regulamento da casa.
O teu serviço aqui não é pesado. Olha naquele quadradinho da parede como a tua colega “trabalha!...” É só aquilo que tens que fazer...”
Ali, sem serem vistos, ficaram a observar um casal num quarto simples, composto de cadeira, mesa de cabeceira e cama larga, tipo “solteirão”. O homem, grisalho, aparentando um setentão, livrou-se logo das suas roupas: camisa, calça e cueca, que, com cuidado, botou no encosto da cadeira, e deitou-se. A mulher logo saiu de trás de um biombo, só de calcinha e sutiã, e iniciou o “trabalho”. Beijava e, ao mesmo tempo, manipulava todas as partes do corpo masculino relaxado na cama. Em seguida, lambia, com uma velocidade incrível, toda a sua pele, a começar pelo dedão do pé, terminando nos seus genitais. Em poucos minutos, o parceiro foi “nocauteado”, como considerou.
- O homem foi vencido no primeiro round, sacaneou Vanessa, lembrando-se de Mike Tyson.
Walkíria quis saber se era uma massagem ou uma luta de boxe. Na verdade, para ela foi uma luta; um desafio do qual não podia fugir, estava no centro do ringue, afirmava confiante.
- Não houve outros rounds? Quis saber a colega.
- Com que gás, mulher? Acho que o véio saiu dali de padiola. Brincou.
Aquilo que ela via, pela primeira vez, foi uma espécie de aula teórica para praticar no seu primeiro “emprego” em São Paulo. Não teve saída. E, sem outra opção, foi à luta, constrangida, mas foi. Voltar para a sua terra, nem morta, depois de prometer ao pai que a vida iria mudar. Seria uma covardia.
Os classificados ofereciam outras oportunidades de trabalho em diversos setores, como encontrava nos jornais. Mas, os empregos estavam muito aquém do faturamento que Vanessa fazia mensalmente, mesmo como massagista, no princípio. E o seu lema era vencer logo. Prometeu. Para aquilo estava determinada. E, assim, encarou o serviço, que praticava com nojo, confessava à amiga.
- O meu primeiro “cliente” não reclamou. Mas não deve ter gostado muito do meu desempenho inicial. Dali pra frente, a necessidade ensinou a viver. Explicava-se.
- Eu não esqueço do conselho daquele “bicha” gerente da casa de massagem, que, aliás, devia se chamar casa de sacanagem. “Quanto mais depressa você ”despachar” o freguês, meu bem, melhor pra nós; melhor também pra você, porque a tua porcentagem, por dia, é maior. Bota isso nessa cabecinha, tá?” E bateu o pé, com as mãos nos quadris.
Como doméstica, sem nenhuma aptidão, ia quebrar a cara nas cozinhas das madames. E para qualquer outra atividade, não dispunha de referências anteriores. Não teve qualquer outro emprego. Justificava-se. Jogada por jogada na “selva de pedra”, tornou-se massagista. Que meu pai nunca chegue a saber! Pedia a Deus.
Enquanto conversava, pedia à colega que lhe desabotoasse o sutiã nas costas. Já com uma toalha em volta da cintura, encaminhou-se para o banheiro, preparando-se, assim, para enfrentar “as feras”, como dizia, no seu trabalho no sobrado da francesa.
Já fazia tudo aquilo automaticamente. Não tinha motivação. Viver com gigolô, como muitas colegas, não era do seu feitio. Não tinha um homem especial para se dedicar. Achava até que a rotina do seu serviço tornava-a fria; indiferente a um relacionamento com uma pessoa a quem viesse a se enamorar. Quase não sentia desejo sexual. Era, como se considerava, uma máquina de produzir orgasmos, que vendia para os mais variados tipos de homens. Evitou externar aquela frustração.
- Estou cansada dessa profissão, que escolhi por necessidade, pensando em realizar um sonho... Não sei se tu sentes isso também, Walkíria? Lastimava-se à amiga, que mais escutava do que falava, e que balançava a cabeça concordando. E, olhando o relógio no pulso, exclamou:
- Esqueceste da hora, Vanessa!?
Já passava das 20. Faltava pouco tempo para assumirem os seus postos na casa de madame Françoise, que era enérgica e exigia pontualidade.
A sala ampla, com algumas mesas redondas, enchia-se quase por completo de homens, mais coroas do que jovens. Por sinal, a esses, o preço dos encontros não lhes favorecia. Não lhes era acessível; exorbitava aos padrões da rapaziada, na maioria, estudantes de Direito do Largo de São Francisco. As “meninas”, insinuantes, tanto na maquiagem como na maneira de se vestirem, com decotes ousados, ficavam em poltronas, no lado oposto às mesas, à espera de convites dos “cavalheiros”.
- Perdi logo o interesse pela profissão de massagista. Continuava Vanessa, que não completou um ano de casa. Não mais do que isso. Outro anúncio de jornal colocou-a na famosa casa da francesa. Era outro status. O sobrado tinha outra freqüência.
- Eu tinha outra idéia daquele trabalho, sabe, Walkíria? Não sabia, jurava, que o objetivo da massagem era para levar os homens ao orgasmo, sem penetração.
- Também para aqueles cinquentões, ou mais, só mesmo daquele jeito... Você sabe que, na maioria, eles não dizem a verdadeira idade. Acho que é pra gente não saber que já estão broxas; que o pau já não levanta com facilidade. Só pode ser... Alguns, que atendi, aparentavam a idade que tem o meu pai, que, no próximo mês, vai fazer setenta anos. Pode?
Havia ocasiões que era convidada a trocar de papel. Pagariam dobrado. E a maneira delicada de alguns deixava Vanessa, às vezes, meio excitada, a ponto de aceitar a sugestão. Com esforço, se controlava. Viajava com o pensamento. E, com jeito, descartava o desejo do cliente. Ela não estava ali para sentir prazer. Aceitou a profissão. Assumiu um compromisso. Ademais, acima de tudo, estava o seu objetivo, que era ganhar dinheiro, como decidida estava desde que saiu de casa.
- Na tua terra não tem essas coisas, não? Walkíria quis saber.
- Deve ter. Talvez, em Porto Velho, que é um centro maior. Não tinha certeza. Raramente ia à capital do seu estado.
Chamaram um táxi e pediram pressa ao profissional. Não queriam decepcionar a parisiense, que vivia daquele métier desde que desembarcou em Santos, em 1950, onde, com uma companheira espanhola, abriu um cabaré na zona do Cais do Porto.
A decadência daquele setor, alguns anos depois, forçou o fechamento do negócio. A sócia foi embora para o Rio de Janeiro e ela para São Paulo. E ali, num velho sobrado da praça da República, estabeleceu-se. Logo ficou conhecida “a casa de madame Françoise”, até pelos respeitáveis senhores da tradicional sociedade paulistana.
Aquele futuro não foi o que sonhou Alaíde, quando deixou a sua terra. O pai, com uma pequena aposentadoria, não desejava um futuro igual ao seu para os filhos. Queria algo melhor para eles. Ela, então, resolveu ir em busca do sonho, que era o seu também. Prometeu ao pai que venceria. Mas, a cidade grande a decepcionou. Não lhe deu uma vida digna, como aspirava também da. Isaura, sua mãe, já falecida. E aquilo a martirizava. Vendia o corpo nas noites paulistanas para se manter e sustentar os familiares em Rondônia.
Em Ji-Paraná, sua terra natal, o velho Inocêncio vivia vaidoso. Aos amigos não se cansava de elogiar a filha, que, “bem empregada numa conceituada fábrica de calçados”, tinha cumprido com a palavra: venceu sozinha, naquele mundo que é São Paulo. Alaíde é uma “guerreira”, orgulhava-se.
O taxista enfrentava o rush do final de noite na avenida São João. Uma colisão de veículos dificultava mais o trânsito. Não estava fácil chegar à praça da República na hora aprazada. As mulheres, angustiadas, temiam a reação da “patroa”. Podiam perder o emprego, o que, infelizmente, aconteceu. A francesa foi impiedosa.
- E agora, meninas, qual o destino? Penitenciando-se, indagou o motorista.