"Os impossíveis do homem são possíveis a Deus"



“Os impossíveis do homem são possíveis para Deus”


Januária engravidou depois dos quarenta e tantos. Foram mais de vinte anos, em médicos, clínicas, etc. As respostas eram quase as mesmas, ela tinha alguns problemas que não a impediriam de engravidar, mas levar a gravidez adiante seria uma bela encrenca. Cansada de ouvir os mesmos diagnósticos frios e impessoais. Tentou três vezes engravidar através de inseminações artificiais. Engravidava e no terceiro mês, abortava espontaneamente. Teoricamente tinha desistido. O casamento acabara. Sem o parceiro seu sonho praticamente não se realizaria.

Uma noite sentada na cama antes de dormir, falava com Deus em seus pensamentos. Eu sei que no próximo ano chegarei aos quarenta e seis, e não poderei ser mãe. Não fico triste Senhor, pois o que fizestes para mim sempre foi o melhor.

Poucos meses se passaram e Januária conheceu um senhor de cinqüenta anos. Roberto, era divorciado, tinha três filhos com a ex-exposa e duas meninas com uma ex-amante. Seu esporte preferido era mesmo: mulher. Januária andava muito carente. Roberto era funcionário público de alto escalão, mas pagava pensão aos filhos e vivia endividado. Januária teve muito medo de se envolver com Roberto, pois sua vida estava estabilizada e os problemas de Roberto eram maiores do que ela poderia suportar. Um dos filhos era alcoólatra, uma das meninas já adolescente dava muito trabalho, enfim o encontro entre eles era mais para contar problemas, problemas e problemas. Januária um dia contou a Roberto o sonho que tinha em ter um filho. Ele olhou bem dentro dos olhos dela e nem piscou. Saiu pela tangente, dizendo que já tinha cinco, e que ela não tinha mais idade para pensar em gravidez. Ele poderia ser avô nos próximos anos. O romance conturbado acabou por ali mesmo.

Januária armou-se de coragem e fez mais uma tentativa. Outra inseminação. Dessa vez com outro profissional em outro centro medico. Ela passou os primeiros três meses, agindo de acordo com as recomendações médicas. Quando estava no quinto mês sua barriguinha já estava bem saliente. Certo dia foi almoçar com uma amiga e levou um tombo ao pisar em falso num degrau que não viu. Teve uma leve torção no tornozelo. Foi até o serviço médico onde trabalhava, colocou gelo e o resto da tarde seguia normal. Lá pelas 16h45min ela teve uma leve cólica e correu para o banheiro, sua calcinha estava toda suja de sangue. Quase desmaiou de medo, horror. Lavou-se como pode com a ducha que estava ao lado do sanitário. Forrou a calçinha com uma super camada de papel higiênico e voltou até sua sala. Estava na hora do expediente terminar e ela poderia ir direto para a obstetra que fazia seu pré-natal. Justamente na hora que estava fechando a porta para ir embora, o seu diretor perguntou-lhe se podia ficar aquele dia até mais tarde. Ela sorriu amarelo e disse-lhe: Estou saindo para a médica, pois estou tendo um pequeno sangramento. O diretor que era médico falou calmamente, vá até sua médica, faça os exames necessários e volte ainda hoje, pois viajo a meia-noite e preciso conversar com você sobre os detalhes da apresentação que vou fazer na Holanda. Januária sabia que era importante o que seu chefe pedia, mas estava preocupada demais com o que estava sentindo. Ligou pelo celular para a médica, relatou o que estava acontecendo, tomou um táxi, e por sorte em menos de dez minutos estava no consultório. Foi examinada, fez ultrassonografia, estava tudo bem. Poderia ficar tranqüila. Passou um remédio para evitar a hemorragia, que poderia voltar e pediu que fizesse repouso absoluto.

Januária voltou ao trabalho, teve a reunião com o diretor e os outros colegas e às oito e meia foi dirigindo para casa. Não sentiu mais nada. No oitavo mês entrou de licença maternidade, numa sexta-feira. No sábado sentiu-se muito cansada e foi para a casa de sua mãe. Estava um tempinho frio e chuvoso. Ela chamou a manicure e fez as unhas. No domingo sua mãe pretendia fazer uma pequena viagem de cinqüenta quilômetros para visitar o túmulo do marido. Januária não estava muito disposta, e teve receio, mas sua mãe insistiu tanto que elas foram. Levaram a bolsa do bebê, os telefones celulares e o livro do convênio médico. Visitaram o túmulo do pai, foram no supermercado fizeram compras, visitaram o irmão e a família e voltaram para casa lá pelas sete da noite.

Januária deixou sua mãe em casa e foi para seu apartamento. Dormiu cedo. No dia seguinte segunda-feira, o seu primeiro dia de licença maternidade, Januária abriu a janela e viu um sol esplendoroso, parecia até verão apesar de ser agosto. Sentia tanto calor que tomou um longo banho. Lavou a cabeça, se perfumou e notou que suas faces estavam muito coradas. Fez café, tomou, comeu duas torradinhas e sentia-se muito leve, parecia que flanava nas nuvens uma alegria muito diferente do que sentia. Talvez, pensava por estar livre do trabalho por algum tempo.

Atendeu ao telefone era sua mãe, perguntando se ela não iria à média que tinha feito a inseminação. Januária disse que não queria, pois estava fazendo o pré-natal com uma colega indicada pela Dra. Maria e não estava disposta a ir até lá. Estava calor, e não precisava, pois em sua última consulta, na quarta-feira a doutora afirmara que tudo estava bem. Januária desligou e atendeu a campainha no momento seguinte. Era uma vizinha querendo comentar alguma decisão que havia sido tomada na reunião de condomínio. Fechou a porta e foi lavar sua louça. A campainha tocou de novo, ela atendeu, era sua mãe que vinha cansada, pois morava a duas quadras de seu apartamento. Ela chegou dizendo: - Vamos agora à Dra. Maria, se você não quiser dirigir, vamos pegar um táxi, estou sentindo um sentimento muito estranho e quero que você vá lá. Januária conhecia os pressentimentos de sua mãe. Vestiu uma bermuda de linha bem larga, colocou uma batinha de alçinhas, pois fazia muito calor, pegou a bolsa, as chaves do carro e foi com sua mãe até o consultório da Dra. Maria. Aquilo lá estava uma verdadeira colméia, mulheres grávidas, para todos os lados, mais de vinte. Quando Sonia viu Januária chegar, foi até lá dentro conversar com a doutora. Januária ficou surpresa, pois nem teve tempo de dar a carteirinha do convênio. A doutora a chamou pediu para ver os exames que a outra colega deveria ter pedido durante o pré-natal. Para seu espanto faltavam muitos exames que não haviam sido solicitados. Dra. Maria pensou um minuto e falou: - Vou te examinar! Januária foi se trocar. Dra. Maria perguntou você está sentindo alguma coisa? Januária respondeu: - Não, só muito calor!
Dra.Maria chamou a secretária e mandou a mãe de Januária entrar. E disse para a secretária: Despacha as pacientes que estão esperando, telefona para a equipe e vamos para a maternidade agora. Para a mãe de Januária falou: - Peça alguém para dirigir e levá-la até a maternidade.

Às cinco horas da tarde, após uma breve cesariana, Januária recebeu sua filhinha em seus braços. Não conseguia conter as lágrimas de emoção. De repente ela reclamou que estava sentindo muitas dores como se o efeito da anestesia tivesse acabado repentinamente. Ela fez sinais com os braços e não viu, nem ouviu mais nada. Sua mãe e seu irmão ficaram apavorados pela demora, pois ela não voltava para o quarto. Perto das dez da noite, ela voltou meio tonta, mas consciente. A menina lourinha e de olhos azuis ficou no berçário, pois era regra da maternidade. Só seria trazida mais tarde para mamar. A mãe e o irmão de Januária se despediram dela já no quarto, e comentaram que a Vitória era linda. A noite toda o ramal do quarto de Januária tocava e ela não conseguia atender, pois seu braço estava meio imobilizado por causa do soro. Não conseguiu dormir direito, pois era um entra e sai de enfermeira para ver temperatura, medicamento, etc.


Seis anos depois, Vitória está uma linda menina, brincando no pátio do lado de fora da igreja que sua mãe freqüenta. Quando vê uma menina do seu tamanho, cabelos louros encaracolados e compridos, olhos azuis. Parece ela mesma duplicada. Corre para sua mãe que está no meio da igreja cheia de gente. Januária viu de longe a menina que Vitória lhe mostrou, ela ia se contorcendo, e sendo empurrada rapidamente pelos braços fortes de um homem. Januária viu no banco traseiro a menina tentando olhar para ela e Vitória, enquanto o homem dava a ré no carro importado e caríssimo e saía do estacionamento da igreja.

Vitória e a outra menina que não posso mencionar o nome, moram no mesmo bairro, e se encontram aleatoriamente na missa, no circo, no shopping. Os pais da outra menina não impedem que elas se falem, mas parecem temer alguma coisa. Januária sabe que Vitória é gêmea univitelina da outra menina, esta é a única explicação para tanta semelhança. Inúmeras vezes se perguntou como se deu o fato dela ter sido separada na maternidade sem que ninguém soubesse de nada...

Por acreditar em Deus e ter recebido um milagre que era foi ser mãe aos quarenta e seis anos, ela que sonhou boa parte de sua vida com a maternidade, não sente coragem de ir adiante, com processos na justiça para reclamar sua outra filha, que agora aos nove anos, quase no final da infância será mais prejudicada do que Januária terá o prazer de tê-la consigo. Deus foi generoso com ela, e com o outro casal que de alguma forma também realizou seu sonho. Eles também não tinham filhos.

“Os impossíveis do homem são possíveis a Deus”.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 01/10/2009
Código do texto: T1841993
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