ANTES DA NOVA LUZ
1
Caminha. O homem a espera. O edifício é aquele ali, à esquina. Quem será esse novo “cliente?”.
- O endereço é esse, morena. O cara tá lhe aguardando.
- Tudo bem, Loura.
A mulher gorda sorriu e deixou-a na sala, sozinha. Então, logo no ônibus seguiu para o encontro. Apressa-se.
A noite amadurece. Os veículos e pedestres diminuem, como é natural. Cruza a avenida. Os cabelos finos dançam a brisa noturna. Com a mão nervosa, ajeita-os para trás. Aproxima-se. E entra no edifício. O balcão sem o atendente. O elevador. Pressiona o botão e sobe. Resignada. Um dia deixará essa vida? O elevador pára no quinto andar. A porta se abre e ela deixa-o, ligeira.
Sala três. Decorou bem o número. Sem revolta respira baixinho, criando coragem e bate, anunciando-se.
A porta devagar se abre.
2
A escadaria de degraus estreitos, longos. As residências de portas e janelas fechadas. Cães latindo nas vizinhanças. O som de um rádio amortecido pela distância. Ela galga os degraus, com as cenas vividas com o senhor baixote, gordo, calvo, bem moreno. As poses as quais se submeteu...
- Bora garota, tou pagando!
A voz de quem é o senhor da solução, que ordena. E passiva, ela obedecendo.
- Velho escroto!
Mas assim é sua profissão (profissão?) e, talvez numa noite esteja “noutra”, tenha nova vida! Apressa-se, como se fugindo das reflexões, quisesse apenas se limitar ao presente, ausente dos momentos atrás.
Conclui a subida e ruma a casinha à direita, onde a velha a espera. Muda, entendendo tudo.
- Mãe?
- Entra Verinha.
Empurra a porta, sendo então recebida pelos olhos da mulher magra, no sofá.
Cabisbaixa, se volta, fechando a porta.
3
O automóvel importado, cinzento-escuro estaciona.
A porta se abre e o homem baixo, gordo salta.
À varanda da residência, a mulher madura sorri, reconhecendo-o.
Ele sobe a escadinha no oitão do terraço. Os passos miúdos, o coração aos pulos. Ah, precisa instalar um elevador aqui, acabar com escada infernal!
- Tudo bem, querido? Demorou...
Avizinhando-se, ele sorri:
- É, o serão na firma hoje foi puxado!
Beija-lhe a face fria, pálida, desbotada pela idade.
- Os meninos?
- Como sempre, estão fora.
- Como sempre...
Silenciam.
As perninhas tremem. O suor na testa larga. O coração pulsando nervoso... Senta-se na cadeira de balanço, e a mulher imitando-o, ocupa a outra a frente e, mudos, evitam se olhar, na fingida representação da convivência.
Aquela moreninha é fogo! A lembrança e... O sorriso da vitória por mais uma curtição amorosa.
- Sorrindo de quê, Emanuel?
- Nada. Pensando em besteira.
Ergue-se e entra na sala conjugada.
Sozinha, ela se entrega às reflexões, mais uma vez fugindo ao que entende.
4
A mocinha dorme.
No quarto vizinho, a mulher não consegue conciliar o sono. Até quando A Verinha se manterá com a vida “desgarrada” que leva? Tão nova engraçada. Mas como tudo na vida passa... Quem sabe se um dia, numa outra noite a filha não se apresente mudada, com uma nova vida? Sim, resta-lhe a esperança!
Os olhos fitam a semi-escuridão, que é cortada pela telha de vidro no teto baixo, que reflete a luz do novo dia.
Vira-se, cerra os olhos e deixa-se ficar a espera do sono que chegando, a libertará da cruel realidade das saídas noturnas de sua menina (sempre a será) e, aos poucos, o sono a ausenta de tudo, enquanto o dia nasce.