SÃO PAULO, UMA CIDADE DE MUITAS LIÇÕES

De acordo com a filosofia socrática, particularmente em Fédon (texto escrito por Platão) onde temos uma narrativa dos últimos momentos de Sócrates, logo após ser condenado pelo tribunal, as lembranças ou as reminiscências, são atributos exclusivos da alma, esta por ser indivisível e aquelas conhecidas por “teoria das idéias”, ou seja, se perguntarem alguém qual, dentre muitas raças conhecidas, é o melhor cavalo para trotar, arar, cavalgar, etc., a resposta dada não terá muita importância, o que importa é que aquele a quem se perguntou saiba o que é um cavalo, e ele saberá porque já tem a idéia, atributo da alma quem nomina o animal, suas características, etc.. Por esse princípio, os seres humanos, apenas em vida, recordam aquilo que sua alma já houvera apreendido. Resume bem esse axioma socrático, a frase “recordar é viver”.

Esquecendo, por hora, se isso é verdadeiro ou não, pois aqui não é espaço adequado, além do que existem profundos trabalhos corroborando aquele preceito, outros divergindo, mas uma coisa é certa, todos contribuem para o desenvolvimento da filosofia.

Admitindo que assim seja, recordarei mais um momento da minha vida. Claro que não será nada extraordinário, é nas coisas simples que a vida se faz mais sublime.

Era uma sexta-feira de outono, garoava e fazia um frio que deixava as pessoas feito pingüim. Casacos pesados, cachecóis e sobretudos davam a impressão de estarmos em Londres ou Paris. Os cafés estavam lotados. Servia-se, café (desde o tradicional até os mistos, ou seja, com menta, conhaque, canela etc.), chocolate-quente, pão de queijo, tudo para enganar o frio. Nas mesas as conversas iam do dia de trabalho (assunto chato nesses momentos), cinema, teatro, política, economia, artes plásticas, literatura, alguns filosofavam, enfim, falava-se de assuntos que contribuem para nos tornar menos ter e mais ser.

E assim se transcorreu aquela noite em companhia de pessoas e discutindo assuntos agradáveis. Mas uma cena coroou aquela noite: uma senhora ia de mesa em mesa e doava uma flor a cada ocupante. Cada flor trazia um bilhete amarrado ao caule, ao abri-lo se lia algo mais ou menos assim “não quero dinheiro, apenas que aceitem esse presente como agradecimento por tudo que essa cidade e sua gente me proporcionaram, sou feliz aqui, obrigado”. Fez-se um silencio de hospital, nenhum ruído se ouvia, as pessoas, todas sem exceção, pareciam entender que um “obrigado” é capaz de dizer páginas inteiras de agradecimentos. Que uma noite fria pode ser aquecida por pessoas que desconhecemos e que talvez nunca mais a vejamos, mas que sua passagem, por breve que tenha sido fora responsável por transformações na vida de pessoas, que as marcas deixadas, como cicatrizes, se perpetuaram com o tempo.

Faz uns vinte anos que isso se deu, e realmente nunca mais vi aquela senhora.

As noites de outono continuam frias, a garoa ainda cai, os cafés enchem. Falamos de filosofia, cinema, teatro, dos filhos que crescem cheios de manias. Aquela noite foi o avatar de muita gente.

Então... O que posso dizer?

Muito obrigado senhora e a todos que para cá imigraram e fizeram essa cidade ser o que é. Obrigado São Paulo por aquela garoa e noite fria, calorosamente fria.

É isso.

silvio lima
Enviado por silvio lima em 25/09/2009
Código do texto: T1831953
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