FRASES CERTAS

“Vi momentos perderem-se no tempo como lágrimas na chuva”

Amava e odiava esta frase. Amava porque a achava de uma beleza rara, duma

sensibilidade comovente, porque saíra da mente e dos lábios de um homem

sem passado, de uma criação genética com a idade duma criança, mas com

as vivências intensas dum adulto. Disse isto pouco antes de morrer devido

à curta esperança de vida que a ciência que o criardor lhe dera. Fora concebido

como um militar implacável, sem escrúpulos para matar, frio e implacável

como se queriam os soldados do futuro. Mas no entanto fora capaz daquela

frase sublime, mais parecendo ter vindo da alma dum poeta do que dum

assassino. Amava a frase por rever nela os momentos que deixara perdidos

no meu tempo, amava a frase pela imagem bela e suave com que esses momentos

e todo o manancial de recordações eram retractados, prova cabal de que as coisas

tristes podem ser descritas com a beleza que só costumamos emprestar aos triunfos.

Odiava-a porque gostava de ter sido eu a escrevê-la...Porque a achava tão minha

que sentia injusto ter sido outro o autor dela. Mas esta dualidade não se restringia

a esta frase, aparecendo sempre que os meus olhos chocavam com outras frases que queria minhas.

Como aspirante a escritor invejava aqueles que tinham chegado às palavras

certas antes de mim.

“Tentei afogar as minhas mágoas em álcool, mas elas aprenderam a nadar”

Há muito que o fazia, e que o sentia, mas nunca tinha encontrada na

constelação das palavras que se encontram espalhada por incontáveis livros

esta espécie de eco que me ia na alma, cada vez que uma fragilidade

a fazia vacilar. É um lugar comum querer afogar as tristezas no etílico, tais

como são comuns as pessoas na mesma situação, que até parece que esco-

-lhem o mesmo dia, a mesma hora e o mesmo bar para se embriagarem, na

procura da sobriedade que os faça sair da dor que não os deixa pensar, ou

“apenas” sentir outras coisas menos hostis que não apenas a dor.

Mas que raio, aquele pelotão de fracassados, por muito que bebesse

parecia estar na mesma ou pior! Os entendidos responderiam que no bebida

não estava a solução, pelo contrário, essa droga legal só poderia piorar

o que estava mal. Balelas! A culpa não poderia ser da bebida, única

e palpável companhia nessas horas de amargura, a resposta só poderia

estar noutro lado, mas nunca a tinha descoberto.

Assim, durante vários anos e com o cuidado de nunca me tornar

num fanático da bebida (leia-se viciado...) recorria ao velho expediente

apesar deste fracassar sempre, até que em pleno desfrutar de mais

um mal episódico que me comia as noites, ao ouvir mais um daqueles

programas de rádio feito para deprimidos, e que tentam precisamente

aliviar estes esbarrei numa música que me respondeu ao mais sério

dos mistérios. A culpa, claro, era das mágoas, criaturas espertas, maliciosas

e parasitárias que, apercebendo-se do facto do seu domínio da tristeza

poder desaparecer no meio da bebida, malandras, aprenderam a nadar!

Depois de definitivamente esclarecidas as regras deste jogo, restavam-me

poucas alternativas: ou ia atrás das mágoas tentando afogá-las numa

previsível escalada de efeitos desconhecidos e fim imprevisível (ou pre-

visível demais...) ou...

E foi assim que, nas ausências e nos sortilégios que fazem gemer a alma,

vou ao mesmo universo das palavras onde resolvi o mistério, não para

solucionar qualquer coisa, mas apenas à procura de outros lugares

e experiências que mostrem a insignificância das minhas dores, e a

importância das dos outros.

“A fé raras vezes andou de mãos dadas com a tolerância”

Li esta frase numa biografia de um grande político europeu,

(que o tempo mostrou ser menor do que a lenda o pintava, mas

em nada diminuiu o pragmatismo dela) dita num contexto político,

mas roubada por mim para a adaptar a nós, num raro momento de

lucidez, em plena guerra relacional. Tinha, e ainda hoje te tenho

um respeito quase sagrado, uma admiração tão vasta como os sonhos

que um dia ousámos ter. Mas no entanto havia demasiadas pontas

soltas no nosso novelo, e uma delas era o facto do meu fervor em

relação á nossa relação se dar mal com as partes menos apetecíveis

da tua personalidade. É um lugar comum, e frase feita, dizer-se

que uma união é feita do equilíbrio entre as partes boas e más,

mas eu era intolerante no que tocava às últimas. Queria e concebiam-nos

como algo demasiado bom, tão bom que até sentia uma certa vaidade

em nos viver, chegando mesmo ao ponto de me pavonear ao pé

de amigos e conhecidos, quando estes admitiam as suas frustrações

e davam um passo em direcção à rotura. Eu era aquele que nunca tivera

problemas, o “senhor perfeito” que tivera a sorte de achar a cara metade ideal,

e achar também o equilíbrio que a mantinha imune aos males dos outros.

Remetia as nossas discussões para as quatro paredes e nunca as admitiria

aos outros, pois mal estas acabavam também não as admitia a mim. Eras

a minha crença máxima, a causa absoluta e uma crença nunca deve ser beliscada,

senão devemos chamar-lhe outra coisa qualquer, coisa que nunca

faria, pois não conseguia chamar-te mais nada a não ser fé. Por isso

fui solidificando egoisticamente e diluindo a tolerância,

até ao dia em que as ilusões finalmente me afogaram,

e no lugar da fé ficou o teu lugar vazio.

“Não acredito em Deus, mas tenho medo dele”

Naquela manhã chuvosa fria e nublada em que foi a enterrar o meu bem

mais caro, esta frase apareceu-me na cabeça e não me deixou durante

aquelas terríveis e dolorosas horas. Não sentia a presença, mas apenas

um enorme medo em relação ao destino negro que me tinha tocado. Por

mero acaso, alguns meses antes tivera uma espécie de “discussão teológica”

com um parente meu que, angustiado pela minha falta de crença numa

entidade suprema e o sobrevalorizar dos valores individuais do homem,

(a substituir precisamente essa ausência de crença etérea) me alertara para a

temporaneidade destes. Justifiquei-me, respondendo-lhe que um dia era

capaz de concordar com ele, que a vida era um processo de construção

inacabado, e outras frases feitas do género, mas francamente nunca

pensei que o meu reencontro com o divino se fosse dar tão rapidamente.

Está bem, não foi bem um reencontro, sendo mais uma aproximação

indirecta, mas esta também não foi voluntária...

Em tempos acreditara, e chegara mesmo a ser devoto dessa presença, mas isso

tinha sido há muito tempo, na altura da infância e adolescência, na altura

em que as fragilidades da personalidade procuravam as escoras espirituais

para serem menos dolorosas. Nesses tempos procurava desesperadamente

o sentido dessa presença, nunca revelado, apesar de me extasiar com as

representações artísticas desse Deus. Fascinava-me o grande homem,

saído das nuvens, com o aspecto de quem não contava os anos mas

milénios, mas cuja vitalidade era própria dos jovens. Sentia-me

apoiado nesse grande pai, e não foram poucas as vezes que, antes

de qualquer exame, de avanço em relação a uma hipotética namorada,

ou perante qualquer tragédia mundial rezava, pedindo os seus favores

a sua enorme e reconhecida bondade. Era a imagem de um Deus bom,

misericordioso, que no entanto, tanto no momento em que o

deixei, como naquele cemitério ficou em silêncio, perante o sofrimento

dos outros e do meu.

“Aquilo que fizermos na vida ecoará para a eternidade”

Mas quantas e quantas vezes desejamos que essa eternidade

fosse diferente...?

Quantas vezes desejamos voltar atrás para que a nossa marca

no futuro fosse diferente?

Mas no calor do momento em que essas decisões, gestos, atitudes

que agora queremos rasurar tomaram forma e se soltaram para os

corredores do tempo pareceram-nos as mais adequadas, porque

nessa altura a sombra do tempo estava demasiado longe para as

macular. Palavras que desfizeram uma união, na altura perfeita,

mas agora que os anos passaram e a experiência nos

“puxou as orelhas”, sabemos poder ter sido a que tanto

procurávamos...A última palavra a alguém que nunca

mais vimos, palavras que alteraríamos se soubéssemos

aquele momento o último...Feliz era o ser que se pudesse

antecipar às atitudes, ver o impacto destas e depois as alterar,

de maneira a que esse futuro tivesse uma marca mais suave

dele. Mal tal só seria possível se tivéssemos uma máquina

do tempo que, como a nossa vontade perdida e cheia de boas

intenções, é uma mera ilusão.

“Há que endurecermo-nos, sem todavia perder a ternura”

Frase portentosa, vinda do maior idealista do século XX,

Que não era imune a defeitos, que os tinha, e não eram poucos,

Mas que ficou na história por ter morrido a lutar.

A frase não parece vinda de um guerrilheiro, mas sim de um poeta,

Ou a final ele talvez fosse mais poeta do que guerrilheiro, talvez a sua

Luta fosse mais interna do que externa…

Não sei…

Sei que o admiro e até tenho uma T-Shirt com a sua imagem, de forma

A honrar a sua memória e espíritos inquebrantáveis que eu saudavelmente

Invejo…

Bolas!

Outra das frases que queria minhas, pois revejo-me nelas como se fosse eu a escrever tal…

O futuro é fascinante, porque nunca chegaremos lá.

E finalmente uma frase saída de mim. Num conto qualquer

de ficção demasiado cientifica, uma frase perdida em centenas de outras

mas que várias pessoas disseram sobressair, pela estranha impressão

que sentiram ao passar os olhos e a mente sobre ela. Tal como eu sentiam

uma atracção pelo futuro, mas enquanto tentava modestamente

imaginá-lo, a elas bastava devorar o máximo de ficção possível de maneira

a visualizarem um mundo ao qual a sua condição de mortais não permitia chegar.

E aquilo que me transmitiram...o facto de lhes possibilitar mais uma

hipotética visualização da sua vontade...

Mas a ordem das coisas está trocada, penso por vezes…É que nós vivemos

no futuro, no futuro de alguém que viveu no passado…

Não, não posso pensar assim que só iria estragar o momento único, o

Momento único para o leitor,

mas demasiado particular ao escritor, porque soube chegado esse momento

quase único e quase irrepetível de prazeres que sabemos e sentimos

que as palavras finalmente chegaram até nós, não pela leitura

dos outros, mas pela nossa escrita. E o prazer aumenta,

torna-se contínuo e duradoiro quando sabemos que

outros vão desfrutar do mesmo prazer sentido por nós

quando encontramos e ficamos suspensos nas palavras certas

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 20/09/2009
Código do texto: T1821026
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