ERA ASSIM...
O sol amanhecia bem cedinho por detrás da torre da igreja cujo sino bem de longe soava as horas.
Os galos da região eram mais precoces que o sino e as galinhas do quintal cacarejavam feito loucas como se bravas estivessem com a autoridade especial daquele galo imponente e sisudo, que lhes interrompia o sono.
Eu, ainda debaixo das cobertas de patchwork bem colorida que a vovó fazia, adorava contar as badaladas, uma a uma..."dois , tres...cinco...e seis!" e rapidamente saltava da cama, arrastava as pantufas largas e já sentia aquele cheirinho de café que evaporava do fogão a lenha.
"Menina volta já pra cama" bronqueava minha avó, "ainda é hora de criança dormir, e este calor faz mal pra garganta".
Mas não tinha jeito. Minha ansiedade para brincar no sítio era maior do que tudo!
Mas ali havia uma rotina da qual eu também fazia parte todos os dias antes de ir brincar.
Adorava regar com a mangueira as margaridas e aquelas rosinhas miúdas e cor- de- rosas que aprendi com a vovó se tratar das "rosinhas de Santa Terezinha".
Eu as via crescer viçosas por aquele jardim...
Minha incumbência era a de fazer um lindo bouquet para levá-lo aos pés da Santa nas missas dos domingos.
Tinha que caprichar. Contava com apenas seis anos, mas já era perita em laços. Ajeitava a fita de cetim azul nas hastes das flores, as margaridas no centro, as rosinhas ao derredor, decorava com "unhas -de-gato bem verdinhas e com capricho ganhava os parabéns e o beijo da vovó.
Depois da missa da cidade, vovó servia um chá com bolinhos de chuva e aquelas queijadinhas que só ela sabia fazer. Juntava ali um montão de crianças...que depois cresceram tão depressa...
Naquela época lembro-me que íamos à missa em jejum.
Não se comungava de barriga cheia, era o que a vovó nos ensinava a todas as crianças da redondeza.
Ao sol do meio dia corríamos pelo pomar, e escalávamos uma goiabeira enorme, aonde a mesma mangueira das flores nos regava para não termos insolação.
Era a maior preocupação da vovó.Que fritássemos os miolos naquele sol a pino.
Cinco horas, vovó estendia sobre a mesa de jacarandá sua toalha de ponto cruz que ela mesma bordava, e mais um chá da tarde com bolo de fubá nos empanturrava a pança.
Uma pausa para a digestão (para não ter "congestão") e o banho caprichado do dia com flores de alfazema já me esperava na banheira de Ágata branca.
Um perfume que nunca abandonou minhas narinas...
Vovó me fazia deslizar sentada na água quando puxava um tapetinho antiderrapante, como se fosse um barquinho...
Logo mais,um passeio na pracinha da cidade até que o sino badalasse nove horas.
Eu queria imobilizar aquele sino quando me sinalizava que chegara a hora de dormir. Uma "Ave Maria" e os sonhos me aguardavam...
Às vezes demorava para adormecer e ficava contando as mesmas badaladas que soavam entrecortadas pela noite.
Para as crianças sempre é muito difícil entender as horas...
E até hoje sempre que o mesmo sino toca na minha lembrança, percebo que aquelas horas nunca se foram...continuam aqui a me levarem de volta pela saudade.
Era assim...e assim sempre será.
Nota: Quando vovó morreu levou consigo o bouquet mais lindo que já fiz.