EM BUSCA DO FUTURO
- Senhora, tive um sonho noite dessas...
- Um momento. Você dorme de dia?
- Claro que não. Trabalho!
- Então o sonho só pode ter sido à noite. Continue!
Dulcinéia se irritou com a cartomante, a qual trajava roupas indianas e fitava-a com um olhar completamente desprovido de emoção, como se não houvesse ninguém a sua frente, contudo resolveu não perder a paciência. O seu futuro estava nas cartas daquela mulher. Assim, começou a contar o sonho.
- Um rapaz chegava num cavalo branco, retirava uma faixa da cintura e atirava a faixa...
Com a mão direita sobre uma carta, a mulher quis saber:
- Faixa branca? Grande?
- Sim.
- A faixa representa vida longa. O branco, a paz.
- E o rapaz?
- Minha filha, a mulher do cavalo é que ele não pode ser. O rapaz é o amor que vai aparecer na sua vida. – disse a mulher, correndo os olhos pela minúscula sala decorada com paisagens de calendários, presas na parede com durex.
- Ela me arrebatava da varanda, jogava na garupa do cavalo e...
Ajeitando um lencinho lilás que prendia os cabelos castanhos, ao mesmo tempo em que observava uma carta, a cartomante disse bruscamente:
- Momento! Vejo umas crianças.
- Bebês? – ela arregalou os olhos assustada. - Meu Deus, que será que vou ser mãe de trigêmeos? Ou são os meninos do colégio?
- Você disse colégio?
- Sim.
- Então é isto! Veja um professor, alunos, uma mulher muito importante, morena...
Dulcinéia pensou no renomado professor com aquele seu jeito determinado de resolver as coisas e na diretora Clarice, sempre impecável e luxuosa no vestir.
- Se for quem estou pensando, lá do colégio, ela é loura.
- Filhinha, toda mulher, depois de certa idade, fica loura!
Mentalmente Dulcinéia reviu Clarice em torno dos seus 40 anos. E chegou a conclusão de que a cartomante estava com a razão.
- Esta mulher é sua amiga?
- Sei lá... É a diretora.
- Cuidado com ela!
- Por que? – Dulcinéia arregalou os olhos, abrindo ligeiramente os lábios.
- Vejo aqui rosas vermelhas, que representam namoro, ciúmes...
Dulcinéia ficou na ponta dos pés, apoiou os cotovelos sobre a mesa, olhou a carta na mão da mulher e retrucou:
- Essa rosa aí não é vermelha nem na China. Pra mim é azul.
Madalena olhou para a copeira com um olhar de arrancar pedaços.
- Você também lê cartas?
- Claro que não!
- Então fique quietinha no seu canto!
- Que tem as rosas a ver com a mulher?
- Só o tempo dirá! – sentenciou a cartomante com voz carregada de mistério e fitando uma cortina de chita que já passava da hora de ser lavada.
Dulcinéia se calou, pensando em sua mãe – dona Maria Porém, que a advertia para não dar créditos a essas crendices, já começando a desconfiar da cartomante, que rispidamente, encerrou a sessão.
- Pode ir agora. Seu tempo acabou!
- Mas, quero saber se o meu amor vai....
Mudando completamente o tom de voz, a mulher aconselhou:
- Filhinha, você está ansiosa. Paciência! Breve ele chegará!
No exato momento em que a mulher dizia essas palavras, ouviu-se uma freada brusca de um ônibus, seguida de um estrondo. Dulcinéia e a cartomante correram para a janela. Os curiosos já haviam chegado ao local e formavam um círculo, o que impedia de ver se havia alguma vítima.
O ônibus, tentando se desviar de um bêbado, bateu de cheio num poste.
Dulcinéia saiu correndo da casa da cartomante e foi juntar-se à multidão. Foi então que ela viu um rapaz de costas, usando uniforme azul, cabelos negros cortados rente à nuca, enxugando o suor do rosto com uma flanela.
Minutos depois uma viatura da polícia chegou. Desceu um policial com uma prancheta na mão e dirigiu-se ao rapaz de uniforme azul, que se virou, mostrando o rosto. Dulcinéia estremeceu ao reconhecer o motorista novato da linha. Seu coração pulou de alegria. Virou-se e viu a cartomante na janela, olhando abstraída para o local do acidente.
Sentiu vontade de chamá-la de mentirosa, mas olhou novamente para o rapaz, que trazia um sorriso nos lábios. Ela apontou o dedo na direção da janela e concluiu:
- Aquela charlatona está errada! O meu amor está aqui bem perto, enxugando o suor da testa com a flanela.
Extrato de DULCINEIA – a minissérie, Episódio 15.
E você está convidado(a) para conhecer a minha coluna exclusiva no CANTO DO ESCRITOR - Na Ponta do Lápis. Grato....