VIDAS PARALELAS
Ás cinco da manhã, eu já estava em forma, tomava o café, arrumava toda a casa antes de sair. Ás sete entrava no batente do dia-a-dia, meu marido não conseguia vencer o alcoolismo. Antes de nosso casamento eu bem sabia que, provavelmente passaria sérios problemas, suas promessas em reduzir ou acabar com esse vicio, tornava um labirinto de ida e volta, creio que ele não colaborava para vencer o hábito de beber. Agora ás coisas piora, estou grávida. Um dia, pediu-me dinheiro, como estava em falta, levantou a mão para bater-me, coisa que estava acostumado a fazer, ainda mais quando supunha que estava aproximando a data de meu pagamento. Clovis era um homem estranho, pode-se dizer que quando solteiro vivia com a família, a qual me alertou sobre o fato da bebida, mas pensei que com o tempo contornaria essa situação. Recebemos de presente uma pequena casinha para morarmos. E chegou uma hora em que constatei totalmente perdida, não dá mais! Durante seis anos de casados separamos oito vezes, vivíamos num inferno, idas e vindas, agora quem vai sair de casa sou eu. Essa idéia agradou meu marido. No meu trabalho de doméstica ganhei apoio total, minha patroa registrou-me junto a Pastoral da criança, onde fui muito bem informada sobre a gestação, certo dia na palestra ouvi dados que me deixou preocupada, sobre a desnutrição que e acometida em crianças de zero a quatro anos. A casca do ovo, farelo de trigo e folha de mandioca forma uma mistura que, e, usada como medicina alternativa.
Gabriela nasceu, Soube que Clovis havia vendido a nossa casinha, para pagar divida de jogo e de bebida, esse amigo seu veio servir de reconciliatório, afirmando que meu marido mudara de vida completamente, após pagar toda a sua divida, deixou de beber e de jogar, que alugara uma ótima casa, se eu o perdoasse voltaríamos a viver juntos. Eu como sentia atraída por Clovis, voltamos a viver uma vida a dois.
Dura, dez dias esse relacionamento. Clovis chega confuso e já nem mesmo sabia quem ele era. Só que agora eu havia adquirido uma consciência do que e realmente a bebida, e que existe milhões dessa doença, e que Clovis com sua enfermidade necessitava de apoio, Fui contornar a situação:
- O que é que você foi fazer de novo? – protestou Elvira.
Mas Clovis não agüentava a equilibrar-se:
- Fui alegrar. Alegrar-me um pouco.
- Por que, outra vez? Você prometeu! Não mais beber. Meu Sagrado Coração de Jesus ajuda-me nessa situação – “Já vem você de novo com esse negocio de Jesuis.”
Trinta dias após, um homem se apresentou, dizendo que veio receber o aluguel. Pedi delicadamente que ele voltasse dois dias depois; menti dizendo lhe que meu marido estava passando mal. Minha filha Gabriela chorava, creio ser de fome. Nesse intervalo de nossa separação por quase sete meses, a mãe de Clovis e seu único irmão solteiro, mudaram para o Sul, acredito que eles tinham vergonha do meu marido.
Para o nosso sustento eu continuava no mesmo emprego, minha patroa além de ser ótima pessoa era muito justa.
Um dia, pela manhã na minha casa, ao abrir a porta.
- Minha nossa! O que e isso?
Era uma correspondência dirigida ao meu marido. Quando ele retornou da rua, deixei que ele melhorasse do porre, isso só aconteceu no dia seguinte; quando disse a ele sobre a correspondência, pediu que eu abrisse e lesse:
Herechim, 18 de maio de 1945
Oi Clovis,
Você não me conhece, há várias semanas que tento entrar em contato contigo, tentei telefone, não consegui, esse endereço estava numa velha caderneta de sua mãe, ás noticias não são boas, seu irmão, Clodomiro e sua mãe vieram a falecer num acidente, espero que você venha urgente resolver assuntos de herança.
Não houve nem dialogo entre nos dois, Clovis levantou da cadeira onde estava sentado, olhou para mim e disse: “Vou a Rua”. Gabriela com dois aninhos, levantou e veio se arrastando, fazia sinais para o fogão, deveria estar com fome; ainda não andava, mas já estava começando a emitir sons de fala. Nesse dia não fui ao trabalho; três horas depois, Clovis chega alcoolizado, dizendo que iria embora, brigamos, ele me puxou pelos cabelos e me arrastou pelo chão, Gabriela chorava. Foi então, que disse a ele, que se tivesse algum dinheiro, me arranje para comprar pelo menos um pão para a garota. Lembro que, ele revirou os bolsos, até achar uma moeda de cinqüenta centavos e passou para mim.
Depois desse dia, não vi mais o meu marido, Guardei no armário, dentro de um velho bule de louça a moeda.
O tempo passou, hoje trabalho em casa, bordando, lavando e passando roupas de quase toda vizinhança, minha filha esta terminando o normal, vai ser professora, está com dezenove anos. Certo dia bateu na minha porta, eu sentada junto á mesa, bordava, minha filha estudava para prova, pedi a ela que fosse atender. Era um mendigo, parecia estar dias sem comida, disse ele que vinha batendo de porta em porta, mas as pessoas quase não têm mais tempo e estão bastante apressadas. Minha filha grita da sala: “Mamãe o moço quer uma esmola, já comeu um pedaço de pão com café que lhe dei”. Respondi que no momento não tinha dinheiro algum. – “Espere, lembrei que dentro do bule, tem uma moeda, peque-a e dê ao moço”. Dez minutos depois, minha filha se aproxima de mim apreensiva, me convidando para eu ir até a sala, pois a história que o mendigo lhe contava era bastante parecida com a nossa história, exemplo, ele fora casado, tivera uma filha, e que ela e a esposa tinham os nomes parecidos com os nossos.
Quando aproximei, exclamei comigo mesma: “Meu Deus e ele!” Ficamos em silencio, quando ele se levantou do degrau onde estava sentado, o faminto mendigo disse, apontando para o pedaço de pão que acabava de comer: A moeda? Não é possível! – reagiu o homem. – Vocês estão querendo caçoar de mim! – Mamãe vocês se conhecem? - Que isso filha! E que lembrei de certa pessoa que imaginava que nunca poderia obter uma vitória ou ate mesmo reduzindo as doses, apesar de reconhecer serem elas inimigas da saúde, do lar e da comunidade.
E esse esforço se fosse feito, traria um final feliz em beneficio a si mesmo e da família.
O mendigo pede desculpa e saiu lentamente.