Escritor novato

O próprio Raul se dizia de total prazer em me ajudar. Indiferente a minha disposição. Sim, adolescente e a fim de escrever uma pequena obra de autoria inteira minha era algo um tanto inovador e novo pra mim – não contava com presenças por fora. Mas, era o que dava ter a língua grande... Talvez não tanto por isso, seria mais fácil e menos constrangedor por a culpa na geniosidade com a qual a idéia dançava na minha cabeça, porém se perguntando por minha idéia, especificava de uma maneira geral: vou escrever um livro, não havia criado enredo, personagens, nada... Simplesmente havia me subido a cabeça a idéia de escrever um livro. A única especificação maior e única quanto ao ‘livro’ era que seria de terror. Nada mais.

Eu trabalhava numa Lan House e aproveitaria cerca de uma hora após finalizar todo movimento para poder bater um pouco sobre a história. Começaria naquela sexta-feira. Minha esposa estava passando o fim de semana na casa dos pais e não haveria ninguém para poder se queixar de quão tarde eu chegava em casa, tanto quanto não haveria preocupação maior durante aqueles três dias ah não ser comigo e com minha obra. Não eram suficientes para todo o enredo, mas valeria e muito para construção inicial. O restante, pelo menos para um novato como eu, sempre parecia ir se descobrindo aos poucos.

Raul estava parado olhando o lado de fora. Chovera aquela noite e as coisas estavam devagar. Dez computadores, onze com o qual ocupávamos e com exceção deste todos os outros estavam desocupados, já eram quase dez horas e o último cliente saíra antes das nove e meia. O silêncio reinava. Raul parecia somente esperar pela oportunidade de me ver frente à página digital do Microsoft Word. Eu receava por isso. Ele iria querer difundir mil e uma idéias diferentes, ditaria duas páginas ou digitaria e possivelmente desistiria. Ocorrendo isso eu poderia sugerir que escrevesse contos, pequenos. Mas aí toda atenção seria desviada. E lá viria ele criando histórias curtas...

- William? – chamou ele, minha atenção. Estava clara a impaciência em si.

- que é?

De seis meses para cá eu havia escrito uma série de retalhos, se assim poderia chamar os enredos que escrevi já que ambos não ultrapassavam cinco páginas, com exceção do primeiro a ser escrito. Ficção científica e uma dose de humor adolescente recheado de clichês, que acabei demorando a perceber me custando um mês de trabalho jogado fora. Um mês de busca por inspiração, estudos aprofundados em nanotecnologia e um pouco de invenção de minha parte é claro – dois segundos para acabar tudo. A segunda se chamaria ‘A floresta’ – o próprio nome já valia como plágio de uma trama já existente e de mesmo nome. Não esperei muito para lançá-lo fora também. Sentia-me cada dia mais cheio de obras fantasmas...

Raul pigarreou. Dois pontos a mais na escala da impaciência dele certo?

- tem algo realmente inovador pra mim? – perguntei.

- fala como se fosse editor.

Ri em pensamento. Que caralho hein? Não conseguia me comparar com um desses snobs engravatados sentados nos seus escritórios só esperando algo novo escapulir dos envelopes e poder lhes dá algum dinheiro. Por outro lado me sentia exigente quanto um daqueles, pelo menos no que se referisse á idéias inteligentes na escrita. Ou era perfeito ou não. E não sabia o que podia vim de Raul naquele momento.

- não quero ser. Mas sou frio como um?

- nunca os conheci. Pula essa porra e vai pro que importa – era quase uma súplica. Algo se debatia dentro dele, ora, podia ser mais um vampiro sugador de sangue atacando uma cidadezinha isolada. Uma versão brasileira de filmes como trinta dias de noite. Ou algo mais interligado ao que realmente o prendia a uma leitura: um pouco de suspense.

- o que tem de novo para mim?

- seres malignos.

Ótimo. Eram vampiros! Só podiam ser... Talvez Lobisomens – acresci a mim mesmo.

- vampiros? – perguntei. Para que guardar rejeição quanto ao tema? Quantos vampiros haviam por aí em livros, filmes e supostas histórias reais? Uma infinidade.

- não muito bem vampiros, mas seres sugadores – disse ele. Entusiasmo crescia.

- Ra...

- seres noturnos – especificou ele. Ou pensou ter especificado.

- morcegos? Seres sugadores e noturnos – ri um pouco. Sarcástico e zombador. Nessa parte admitia que era odiado até por minha mulher.

Ele arrancou algo do bolso e pôs sobre o balcão. Um desenho feito a mão.

- o que é isso? – perguntei.

- os seres noturnos – disse ele – um esboço. Meneou a cabeça indicando-me a observar melhor a gravura. Obedeci.

O ser de corpo atlético poderia ser uma mulher ou talvez um homem extremamente magro. Uma mão erguia-se em forma de garra, dedos pontudos, porém faltava um. Fingir não ver o pequeno erro e prossegui a observação. A cintura demasiada fina e as pernas ocultas pelo que poderia ser um véu ou vestido. No papel constituía-se apenas de rabiscos negros. A cabeça triangular e olhos de mesmo formato. Nada especial no desenho, mas após um esboço textual mais explicativo poderia nos render algo. Quem sabe fama entre os amigos. Raul não havia nos dado algo de novo, por outro lado se esforçara e por algum motivo me senti atraído a criar uma história para aquela criatura de ar chavão que poderia ter algo a mais após bater umas teclas por ela.

- Bem Raul... Não poderemos competir com Alan Poe ou Stephen King, ela não algo do tipo 100% inovador... Mas não fará mal lhe dar vida, certo?

Ele ainda me encarava com ar desconfiado, porém assumi uma expressão mais séria e ele acabou por confiar em mim e principalmente em si mesmo.

- certo – alegrou-se - Mãos a obra?

Talvez pudéssemos ouvir nossos nomes qualquer dia em programas de rádio:

Bom dia senhoras e senhores. Temos hoje dois visitantes. Ambos bastante novatos no ramo da literatura...

Wenderson Mota
Enviado por Wenderson Mota em 16/09/2009
Código do texto: T1813786
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