O ROUBO DA CENA...

O dia amanhecia fechado e pareceria mais hermético ainda dentro daquela pequena sala da universidade, não fosse a vida lá fora, que nas folhas das palmeiras sonolentas ,nos farfalhava junto a janela da sala que uma liberdade sem preço se aproximava na revoada dos primeiros pássaros.

Estávamos ali reunidos, pouco mais que meia dúzia de pessoas para um momento de mergulho nas ciências...bem longe da correria do dia a dia, a quilômetros de distância da alucinação desta cidade que não pára.

Ele parecia que também vinha de longe, e como não era aluno convidado, pressenti que talvez tivesse a missão importante de algo nos ensinar.

Naquele silencio penetrante. nitidamente traduzi que vinha ele doutro mundo, decidido a nos presentear...quiçá a nos alertar.

Foi se aproximando , se aproximando...e por fim, sem pedir licença, entreolhou a fresta da janela a mirar o professor atento e debruçado sob o Laptop, mergulhado nos gráficos dos endpoints.

Num rápido movimento de chegada, marcou sua alegre presença, sob o olhar incomodado do professor. Pedia por atenção.

Poucos perceberam a cena, então, senti que seria preciso se anunciar...com mais autoridade: a autoridade natural dos grandes mestres.

Com certo esforço ágil, espremeu-se pela fresta da janela e caiu esbaforido sobre o aparelho do ar condicionado.

Penso que sentiu frio, pois havia saído do seu habitat natural.

E foi ali do alto que, de repente, interrompeu nossa aula com o canto mais lindo que já ouvi, ao menos dentro duma aula proferida por um livre docente.

Percebi rapidamente que aquele pequeno canário tinha algo a nos dizer, naquele seu insistente canto estridente.

Dum salto, nos sobrevoou freneticamente pela sala e se posicionou bem a frente do projetor, aonde sua silhueta se ampliou na parede, a se confundir com aquela inóspita e complicada estatística.

E o verdadeiro espetáculo estava ali montado, sob o olhar de todos, numa ópera ímpar da natureza, diante dos questionamentos da ciência, momentaneamente rendida aos encantos da vida; "nossa" incansável ciência que tudo nos tenta explicar, mas que tão longe está de alcançar certos aprendizados delicados que a poesia nos ensina, nas entrelinhas das horas...

NOTA:

(VERÍDICO, UNICAMP/SP)