E agora José?

Na sua profissão tudo era passageiro demais, voluvel, instável, imaginava Steban, cronista de um jornal popular, escrevia aos domingos, coisas para as pessoas lerem antes do almoço, antes que os parentes começassem a chegar para o churrasco, a macarronada, a bacalhoada, a pizza, etc e tal, então suas palavras tinham que ser ternas, palavras de facil digestão, não queriam palavras indigestas, palavras que causassem enjoos, azias, flautulências, queriam apenas a tênue paz de um domingo fresco, leve, tranquilo, a sombra e com o céu recheado de nuvens azuis.

Steban mastiga a ponta do lapis, escreve à mão, sempre foi assim, “o braço é uma extensão do pensamento”, às vezes o lápis era o próprio pensamento, por isso ele o morde tentando arrancar alguma coisa de dentro de seu cérebro negro de grafite.

Escreve, as vezes, na maioria das vezes, sobre as celebridades, atores, atrizes, atletas, seus porres, casamentos, divorcios, festas, quem é convidado, quem não é, escandalos, quem está traindo e com quem, gafes, micos, celebridas instantâneas, seus micos, seus desejos e por ai a fora. Às vezes se perde entre tantos encontros e desencontros desses seres, muitos de seus casamentos não duram duas de suas cronicas dominicais.

Ele quase nunca vai ao jornal, sempre manda seus textos por fax, não gosta do ambiente da redacão, lhe parece por demais hostil, parece que as pessoas sentes nojo ali, sentadas por detras de seus computadores, asco dele que ainda escreve a lapis, nojo de seu cabelo desgrenhado, Steban odeia pentes e afins, de seu terno marrom que desesperadamente grita para todos que já teve dias bem mellhores, de suas calças, propositalmente, sempre dois numeros maior que sua cintura. Sente que o olham com absoluta descrença, não sabem o que ele é, é como se fosse um alienigena no meio deles, “não é jornalista e também não chega a ser um esritor”, sussurram. Não tem a sobriedade de um jornalista e nem a malicia de um autentico cronista, é, em absoluto, um ser sem rótulos, ou com varios rótulos ilegiveis. Stebam imagina que seja dessa forma que o pintam na redacão nas poucas vezes que ali vai.

Morde o lápis com fervor em busca de palavras, mas nada lhe brota. Quer deixar de escrever para o jornal, deixar de escrever frivolidades, “frescuras de celebridades mimadas”, quer, de fato, mergulhar na encruzilhada do cotidiano comum, mergulhar no nonsense da vida real, esquecer essa literatura sem cor e sem cor e sem vida que serve aos outros como aperetivo para o almoço de familia no domingo.

Tem mastigado o lapis com mais furia a cada domingo que passa. Pensa em abandonar o jornal antes do proximo almoço em familia, “domingo que vem”, diz para si mesmo, faz semanas que diz isso, mas nunca o faz, acaba mordendo o lapis até que lhe surja uma cronica dominical.

Se sente, na verdade, um ser sem identidade, concorda, cada vez mais, com o cochichos que imagina ouvir na redação, sabe que não é mesmo um jornalista, falta-lhe força para tanto, falta-lhe o vigor para correr atras da noticia, esmiuça-la, agarra-la a unha, como fazem os verdadeiros escribas, paladinos da noticia, e por outro lado também não é um escritor, é bem verdade que escreve crônicas, mas isso não quer dizer nada, muitos grandes escritores nunca escreveram um cronica se quer, enquanto dá dentadas no lapis, escreve sobre o dia-a-dia das celebridades, seus romances relampagos, romances que no maximo duram quatro ou cinco de suas cronicas, está cansado, sente uma ojeriza qualquer. Dá numa mordida mais violenta no lapis, sente o dente doendo, o gosto de sangue na boca.

O jornal já foi maior, mais vendido, nos anos sessenta era de esquerda, sofreu com a ditadura, foi massacrado pela censura censura, teve as ports fechadas, os vidros quebrados, os muros pinchados e se conformou, deixou-se vencer por esse mesmo conformismo que a centenas de domingos alimenta a alma de Steban.

Steban na verdade nem mesmo se chama assim, é um pseudonimo, acredita que o pseudonimo lhe empresta, mesmo que minima, uma dose desse glamour pequeno burgues que vê na vida das celebridades as quais retrata em sua columa dominical, e tambem uma dose minima de cinismo, que julga necessario a sua atividade de cronista. Seu verdadeiro nome é José, José da Silva, igual a centenas de outros homonimos seus que aos domingos, de domingo a domingo, lê o que ele lhes escreve, antes de se juntarem para o almoço com a familia.

Steban caminha pelos corredores da redação, veio pessoalmente entregar sua carta de demissão, bem que poderia ter feito isso também pelo fax, mas no fundo sabe que nem mesmo leriam, corria aé mesmo o risco que a carta fosse publicada por engano, seria até engraçado, sorriu.

Ele podia ver os sorrisinhos ironicos ao redor, por toda parte, masculinos, femininos, adolescentes, quase conseguia ouvir seus pensamentos : “Pseudo intectual de merda!” Então o sorriso de Stebam cresceu ainda mais, não se sentia mais intimidado, que rissem a vontade, que pensassem o que que quisessem, ele não estava nem ai, que cochichassem até cair a língua, não estava nem ligando, ajeitou os ombros dentro do terno marrom, ajustou as calças, 2 numeros maiores, rente a linha da cintura, ergueu a cabeça e seguiu adiante.

Odair J. Alves

18.07.09

Odair J Alves
Enviado por Odair J Alves em 10/09/2009
Código do texto: T1802995
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