UM ESTRANHO CONHECIDO

O sol já foi embora há algumas horas, dando lugar a sombria noite, os seres noturnos saem de suas tocas procurando suas presas dentro do próprio habitat. Milhares de pessoas se encontrando freqüentemente circulando no mesmo ponto, indo e vindo na mesma direção, ansiosos pela hora sublime em que o som fará a sua parte, liberando todos ao centro mágico da dança. Jovens casais felizes, adultos e veteranos de pista, crianças correndo entre a multidão, todos em sintonia com o som e com o ambiente. Cada um sabe qual é o seu papel, interpretam como desejam, mudam o roteiro sempre que têm vontade, são autores e atores de situações inusitadas. Desejos explícitos em cada rosto, vibração em cada olhar e satisfação em cada sorriso.

A fumaça anuncia que o oxigênio deixou de ser puro, gente nervosa em vários pontos denunciando que o álcool foi consumido em grandes proporções. Policiais em correria tentam manter a paz neste lugar livre e tão degradante. Conhecidos cumprimentando uns aos outros com diversas formas de abordagem. Solitários buscando através da paquera, ora bem sucedida, ora mal sucedida, na berlinda de mais uma noite ofuscada ou salva por um olhar, um sorriso, um sim. Um giro, uma volta, um abraço, um beijo, um romance. Eternos colegas acenam, conhecidos nos cumprimentam, jovens mulheres me paqueram (mesmo sem retorno), através de um olhar desejam uma dança, uma conversa, um drinque, um abraço. Nada faço, nem demonstro interesse, preocupado com o mal humor da minha parceira, bem vestida, perfumada, chateada por ser presa, sem poder ultrapassar a barreira dos costumes impostos pela sociedade e cair naquele mundo amplo e convidativo, esperar ali mesmo o sol nascer novamente.

Sinto-me impotente por não conseguir proporcionar felicidades a uma simples pessoa, decepcionada por permitir a infelicidade tomar conta de mim sem impor limites, tentando a todo custo ser acompanhante em um mundo que não é meu, por circunstância da fraqueza visitei e não gostei, pedi desculpas e saio por entre as pessoas extasiadas, me afastando não sei de onde e procurando não sei o que, onde pudesse respirar um pouco aliviado, ficar sozinho alguns instantes, refletir sobre as condições que me encontro.

A solidão sempre me fascinou, as músicas tristes penetram facilmente, a chuva proporciona paz física e espírita e transporta meus desejos além da compreensão do ser humano, superando qualquer situação, protegendo o coração contra invasores, protegendo-o em prol de um alguém capaz de decifrar meus sonhos, mistérios, medos, segredos, passageira do mesmo vôo, participante da mesma ala, autora do mesmo roteiro, atriz na mesma cena que eu. Alguém do meu começo, atravessando o tempo e pousando em meu coração sem pedir licença, pois sempre foi o seu lugar.

O frio da madrugada me devolve o nebuloso presente catastrófico aos meus olhos, dilacerante ao meu ego, insensato aos desejos e compromissos não firmados em Cartório ou Igreja. Os olhos decidem por nós: eu vou embora, ela fica mais um pouco. O ciúme nem a raiva penetram em mim, sou preso apenas fisicamente, pois sentimentalmente a um único alguém com condições de prender minha mente e meu coração.

Autor: Antonio dos Anjos

Antonio dos Anjos
Enviado por Antonio dos Anjos em 09/09/2009
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