UM ASSALTO...

Cruzaram-se os caminhos...

Do mau e do bom;

Do condenado e da vítima;

Do marginal e do central;

Do desalmado e do injustiçado;

Do atento e do desavisado.

Olharam-se nos olhos...

O pobre e o rico;

O feio e o bonito;

O sujo e o limpo;

O errado e o certo;

O burro e o esperto.

O mesmo.

- Quietinho!! – Falou o pobre enraivado, entre dentes cerrados, sem gritar para não chamar a atenção, sem sussurrar para se fazer respeitar. O rico tremeu, “comigo não!”, a tensão tomando-lhe a garganta, prendendo-a, a tremedeira percorrendo-lhe o corpo, e uma gota de suor frio correndo-lhe pelas costas.

- Passa a carteira e o telefone!!! – falou o outro no mesmo tom de antes, nem alto nem baixo, apenas raivoso...

A escuridão noturna;

A rua deserta;

O vento que sopra;

O vulto na estrada...

Vulnerabilidade.

O vulto mostra os olhos:

É gente!!

Sou eu.

O bom só via o cano preto camuflado na jaqueta do outro, e a roupa suja, a bicicleta empenada, o capuz obscuro, o rosto escondido, os olhos... deteve-se nos olhos.

Tem olhos. E não são olhos escorregadios e furtivos. Não são olhos de bicho. São olhos de um rapaz da minha idade. Não são olhos de pobre ou mau, ou de sujo ou burro, ou de feio ou errado, ou de desalmado ou condenado, ou de atento ou marginal; são apenas os MEUS olhos... Os mesmos que vêem-se diariamente no espelho pela manhã, ou nas fotos com os amigos da escola. Por quê estou ali, camuflado e tomando o dinheiro dos outros a base de revólver? Que meio terrível é este que transforma o bom no mau, o bonito no feio? Que espelho cruel distorce com tamanha frieza o meu reflexo? E quem é a imagem distorcida: o sujo ou o limpo?

O vento que arrasta a poeira da noite não presencia agora a festa dos homens nos bailes ou o silêncio malicioso dos namorados; espreita, isso sim, a violência dos atos, o medo em ambos, os olhos iguais, e carrega tudo pra longe: o terror que o rico sentia e a culpa com a qual o pobre lutava. E sem pudores mais tornam-se ambos perigosos. Dois irmãos enfrentando o inimigo errado. O espelho novamente distorce a imagem real e as marionetes, não suportando mais sua condição de manipuladas, batalham umas contra as outras, quando deveriam confrontar, na verdade, seus manipuladores.

E em meio à esta inocência primitiva a luz da lua atinge a ambos com a visão ampla de suas vidas, e a consciência desperta, naquele olhar fixo que parece durar a eternidade, a verdade até então não revelada...

Dois irmãos.

Retira os rótulos falhos e o que sobra?

O um e o outro?

O este e o aquele?

O rapaz e o rapaz?

O mesmo.

Em outro ponto da noite, instalado na mais bela mansão, sentado na mais confortável poltrona, bebendo o melhor dos vinhos o animador de marionetes gargalha insanamente, divertindo-se com toda a situação.

Enquanto na rua, quando a luz da lua desaparece por trás da sombra de alguma árvore, o rapaz volta a tornar-se o marginal, e vai embora odiando o central por ser um miserável, e andar com tão pouco dinheiro no bolso; e o rapaz volta a ser o esperto e some na noite praguejando contra o burro, o qual lhe ameaçara a vida e lhe levara todos os reais...

O mau jura para si mesmo que na próxima vez ele mata.

O bom jura para si mesmo que vai passar a andar armado, e se precisar ele mata.

Um passa a odiar eternamente o outro.

Já o manipulador...

Este repousa na mais bela cama, satisfeito com um dos espetáculos daquela noite...

Felipe Bilharva
Enviado por Felipe Bilharva em 09/09/2009
Reeditado em 10/09/2009
Código do texto: T1801247