Me dá um beijo?
Subitamente, no meio da festa, Júlio se virou para Oliveira e comentou:
- Acho que preciso de uma bocetinha nova.
A informação era a coisa mais interessante da noite até então. Entretido em tentar achar alguma explicação para as danças entre os casais de meia idade que compareciam à pista do salão, Oliveira riu. Era ótimo ser chamado a outro tipo de realidade que não fossem os twists anacrônicos dos companheiros e ex-colegas de trabalho.
- Como é, homem?
- Uma bocetinha nova. Diferente.
- E a Marta?
- Tá ali, dançando – apontou com a cabeça para o canto do salão, onde sua mulher se divertia com o primo, magro, cabeludo, funcionário de banco há vinte e nove anos e eterno ex-boxeador. “Pelo menos é isso o que ele diz!”, comentava Marta ao marido sempre que voltavam dos encontros em família bimestrais. Ambos achavam divertido imitar o modo como o primo simulava jabs e esquivas que fez – hipoteticamente – ao longo da carreira. Parecia um boneco mal montado.
Com um movimento, Oliveira aproximou sua cadeira de plástico da mesa do amigo. Nenhum dos dois estava mais bebendo. “Coisa da idade” era a explicação mais rápida. Júlio, aproveitando a agitação do companheiro, também arrastou sua cadeira. Agora estavam lado a lado.
- Sério, tu não conhece ninguém não?
- Não.
Oliveira ainda estava rindo. Como alguém sóbrio, no meio de uma festa, poderia vir com um assunto tão... Aleatório? A situação tinha jeito de piada. Apesar disso, Júlio continuou fitando o amigo, circunspecto.
- Porra, bicho, deixa de coisa. Nenhuma amiga solteira?
- Não.
- Nem casada?
- Não.
- Tá complicado então.
A banda, para delírio dos mais animados, já começava a repetir algumas músicas. Gravatas e saltos estavam esquecidos em suas respectivas mesas. Sem qualquer tipo de maquiagem, os dançarinos continuavam se tocando. Júlio passou algum tempo olhando para sua mulher, que bailava.
- Eu gosto dela. Gosto mesmo. Mas é que faz falta.
- O quê?
- Algo novo.
- Alguém? Mais nova?
- Só nova, entende?
- Talvez.
- São vinte anos de casado.
- Tem gente que passa quarenta – observou Oliveira. Nunca casou. Só teve algumas amantes fixas, como prefere dizer. Também nunca foi de falar muito. – Qual o problema com ela?
- Nenhum, cara. Mas tem dia que olho e penso que falta algo.
- Nela ou em você?
- Nela, acho. Ou em nós dois.
- Ela parece bem.
- Olhando daqui todo mundo parece bem.
- É, mas...
- E se ela também conversar sobre esse assunto? – interrompeu. – Ela é amiga de muita gente. Nunca se sabe – Júlio alternava seu foco de visão entre o amigo e a mulher. Apesar de sério, não parecia estar com raiva das próprias teorias. Só falava e falava. – Depois de um tempo, nunca se sabe o que pode acontecer. Ela pode ter medo, como eu tenho. E ai não acontece nada. Ou acontece e ninguém comenta. Ou só pensa, pensa e pronto. Então eu tava aqui, pensando se não tem nada de novo por aí, pra dar uma variada, pra ver se é isso mesmo. De repente vai que é isso que ela quer, entende?
- Sei.
- Queria algo diferente.
- Sei. Lá vem ela.
Cansada e corada, Marta caminhava ao encontro do marido. Veio devagar, evitando os que ainda insistiam em dançar.
- E ai, garotos!
- Opa!
- E ai, amor?
- Tudo legal!
- Me dá um beijo?
- Claro!
A banda, para delírio dos mais animados, já começava a repetir algumas músicas.