Máquina do Tempo

Por um singelo momento, adormeci no silêncio daqueles novos dias. Naveguei por mares profundos e percorri florestas onde plantei minhas lembranças. Olhei para os lados rapidamente, como se quissese a simples certeza de estar acordado.

Pude notar meus dedos dançarem sobre as teclas, que já eram outras, enquanto as palavras se transformavam em alguns digitos na tela do computador. Aquela simples certeza, ironicamente, havia me abandonado entre os vales de minha memória e, talvez, entre as lembranças daquele doce menino.

O silêncio do momento lembrava-me de outros sons, como se apreciasse, mais uma vez, o filme de minha vida, acompanhado por sua trilha sonora. As faces já se confundiam com minhas lembranças, ainda vívidas, e antigas cenas formavam-se novamente sob meu olhar de menino. Um olhar que perpetuou-se em minha memória e tomou caminhos, ainda desconhecidos, pelas trilhas de meu coração.

Aquelas teclas preenchiam minha história, sob a forte luz da tarde a iluminar outras faces. Máquina que transforma sentimentos menino tímido, quase franzino, que se apaixona pela primeira vez, entre dúvida e certeza, entre prosa e verso.

As mãos flutuavam sob as teclas e, por um momento, tornavam-se imóveis novamente, esperando que a certeza se aliasse a coragem novamente. Superava medos incompreendidos por mim mesmo. Ao final da carta, deixo a assinatura vaga, como se quissese me manter anônimo. Doce ingenuidade.

A penumbra sob a sala e as primeiras luzes anunciavam o fim de tarde. Um frio percorreu meu corpo quando, lentamente, levantei-me. O papel estava em minhas mãos, já com as rugas e curvas da ansiedade. Enquanto caminhava, o deixei flutuar vagarosamente sob a bolsa de minha amada, menina alta e esbelta. Olhei rapidamente para trás, como se confirmasse que a bolsa e, principalmente, que meu coração estavam certos.

Ali, naquela mesma sala, sob os primeiros raios de sol de primavera, descobriria a primeira decepção, escrita a mão, no verso de algum bilhete que pouco nos importava. Li o papel e o escondi em meu casaco, como se ainda quissese ler aquela resposta novamente. Talvez, em outros tempos, teria aprendido algo entre aquelas palavras.

Olhei para trás novamente. Meu olhar percorre a sala a procurar intensamente a menina que, um dia, deu brilho a meu olhar e me conduziu entre os amores daqueles velhos tempos

Logo, a memória me guia por outras trilhas, ainda sob o som constante das letras, que surgiam no papel novamente. Aquelas já eram outras cartas, a conduzir me por uma nova paixão.

A velha máquina ainda me levava aos meus sonhos de menino, como se abrisse a porta de um novo mundo. Máquina que guardou segredos e versos que não foram entregues.

Presente e passado que traçam linhas da estrada da vida, confundindo-se em cruzamentos de emoções. Posso sentir o vento sob meus cabelos, trazendo consigo as primeiras gotas da tempestade.

A sineta anuncia o fim da aula enquanto continuava a navegar pelos momentos que construíram a história daquele menino e sua máquina preta, regada a restos de tinta e carinho.

A velha máquina de escrever se guardou além da estante empoeirada, eternizando-se em minha memória, como se ainda tivesse outros poderes. Máquina que me conduziu entre vales profundos e criou laços que resistem ao tempo de uma vida, como se me convidasse a uma viagem na máquina de minhas lembranças.

Pescador de Olhares
Enviado por Pescador de Olhares em 05/09/2009
Reeditado em 07/09/2009
Código do texto: T1793703
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