A Filha de Afrodite

Ela veio do jardim dos esquecidos, ela é filha de Afrodite. Pode-se ver o lado bom após o fato acontecido, mas durante o acontecimento, há um sentimento de profunda dor. A natureza Afrodite é regressiva e puxa o ser humano de volta para a inconsciência, algumas vezes com grande risco. Afrodite pode, muitas vezes, surgir em sogras ou madrastas más. Aos dez anos a menina perdoou o pai. Segundo Afrodite, ele viria buscá-la e nunca apareceu. Absurdos de toda a sorte surgiram na vida da menina que viveu sempre sob a tirania de Afrodite. Quando casou, a moça viu que, durante o namoro conhecera uma pessoa, e, depois do casamento, já não era a mesma pessoa. O marido passou a se mostrar arrogante, tirano e machista, e ela sabia que a donzela que trazia dentro de si, morrera. No dia de sua boda, soube que perdera a madrinha, atendeu o telefone, recebeu a notícia e guardou toda a dor do mundo só para si. No dia anterior ao casamento religioso, fora o casamento civil e quando estavam chegando na entrada da cidade, cruzaram com um funeral. Isso não pareceu um bom algurio, mas a moça tinha a cabeça de noiva e não pensou mais no assunto. E o casamento se realizou com toda a pompa e circunstancia, com direito a uma cantora lírica, o coral do colégio onde estudara, usou um vestido estilo medieval, casou em uma igreja antiga, ornado com os mais finos objetos de decoração, onde não faltaram tapete vermelho, arranjo de flores em vasos antigos e muito trigo para dar bom algurio. Afrodite se esmerou em todos os detalhes e uma amiga querida foi incansável na decoração da igreja. Hoje a amiga querida descansa nos braços do senhor. Os presentes de casamento foram tantos e tão belos. Foi tudo tão perfeito que até hoje se comenta a respeito do lindo casamento. Um dos padrinhos deu de presente aos noivos um poupudo cheque que o noivo se encarregou de administrar, sem dar qualquer satisfação à noiva, pois desse momento em diante ele mostrou a que veio e lhe dava as ordens. Quando compraram o primeiro apartamento, eles escolheram os lustres da casa inteira e faltou o da sala de jantar que era um belo lustre e o preço não muito alto e a moça resolveu que queria aquele, pois a aparecia era belíssima. O marido mandou que fosse retirado e devolvido à loja, pois quem mandava era ele e hoje o lustre ocupa um lugar de destaque na prefeitura da cidade por sugestão dele. Mas a moça, para não confrontar, deixou que o marido tomasse as rédeas da situação e um belo dia ela acordou e ficou a pensar: a casa é o lugar onde vou passar a maior parte do tempo, nada mais justo que as escolhas sejam minhas e ficou decidido: de agora em diante, o que pertence à casa será escolhido pela mulher. Quando nasceu o primeiro filho do casal, ele trouxe a mãe e o bebê da maternidade para a casa de Afrodite e foi viajar. Saiu para ficar 5 dias e ficou 25 fora. Ela sofreu calada e voltou para casa no regresso dele. Quando nasceu a menina, ele depôs de trazê-la da maternidade, como ela não quis ficar com Afrodite, ele deixou a mulher e os dois filhos em casa e foi viajar para São Paulo. Ficou quase um mês fora. Quando mudavam de residência ele viajava e ela ficava encarregada da mudança. Ele só aparecia na nova residência depois de tudo no seu devido lugar. Ele era de ânimos frágeis e não suportava excessos, mas a mulher, com dois filhos pequenos, que suportasse todo o cansaço do mundo. E ela se virava como podia para não perturbar o seu amado, amo e senhor. E os anos foram passando, ou ela passou pelos anos. Ela aprendera que o casamento não realiza ninguém e foi exatamente aí que ela se enamorou, não mais pelo marido e sua tirania, mas pelo casamento e passou a enfeitar a vida e fez de tudo uma perfeição e jurou que, acontecesse o que acontecesse, seus filhos teriam o pai e ensinou os filhos a amarem o pai, não porque, mas apesar de... Ela sempre soube da falta que o pai faz na vida de um filho, mas os dela não passariam por isso. E amaram aquele pai de tal maneira que passados anos, o amor continuou incondicional e a ela coube, na maioria da vezes, ser enérgica, não como Afrodite fizera da vida dela, mas sabia que filho gosta de ter quem se preocupe com ele. Ela foi preocupada, fez com que sempre eles fossem pessoas responsáveis. Não cobrava deveres escolares pois deixou claro que eles seriam o que pudessem acumular em cultura, pois dinheiro acaba e a herança cultural não. Estudem, dizia, é a única obrigação que vocês têm, então façam o melhor e vocês serão vencedores. Tinha por principio não participar de reunião de pais no colégio pois a obrigação de estudar era deles e ponto final. Se fosse preciso, os coordenadores sabiam onde encontrá-la, mas nunca foi preciso, nunca recebeu uma reclamação sequer. O marido vivia fora, sempre viajando, e coube a ela a educação dos filhos. Viajaram, passaram férias fora, foram a Disney, à Europa, e ela fez da vida uma festa, e as festas sempre às expensas dela. Viveu com eles e para eles. E quando criavam asas, ganhavam o mundo. Nunca cortou suas asas, mas teve as dela amputadas. Quando nasceu a filha caçula, o seu amo e senhor resolveu que chegava de filhos e, enquanto ela estava sob o efeito da anestesia, o médico mandou perguntar se ela estava preparada para retirar as trompas. O seu amo não pensou duas vezes e fez como ela costuma fazer com seus bichinhos de estimação. Mandou castrá-la. Isso doeu muito e quer saber? Depois de tantos anos ainda dói. Ela se pergunta: que tipo de educação machista ele recebeu e como será que sua sogra era tratada pelo sogro. E até quando certos maridos dominarão suas mulheres. Até sufocá-as? Ela ouviu dizer que as mulheres no Japão estão ficando mudas. Depois que senhores do país do sol nascente se aposentam, ficam dentro de casa, dando ordens, onde só as mulheres costumavam reinar e de repente, lá estão eles a mandar e a desmandar. E diante dessa situação, estão fazendo um estudo psicológico das mulheres japonesas para ver o que está acontecendo. Ora, eles tinham seus trabalhos, suas gueixas, não se preocupavam com suas mulheres, se eram felizes ou não, se eram realizadas sexualmente ou não, se eram gente ainda. E hoje, cansados de guerra, chegam em casa para acabar com a paz das mulheres que estavam acostumadas, até pelo aspecto cultural, a não interferir na vida deles. Se pudesse daria um conselho às japonesas: quando seus filhos saírem de casa, adotem um animal de estimação; é uma troca de amor, é um afeto que está sempre ao nosso lado. Eles nos dão tanto carinho e a gente tem com quem conversar. Ela tem os dela, já que seus afetos estão longe; mesmo o que mora na mesma cidade e vive pelo mundo. Quanto ao seu amo, ele não mudou, mas ela mudou muito, aliás, muda todos os dias. Virou camaleoa, tem varias cores. Hoje a única coisa que a preocupa é que ela não sabe se quer, se gosta de carne de gado ou de frango, se gosta de doce ou azedo, se gosta de fresco ou gelado. Mas isto não tem mais importância, estão se resolvendo, cada um a sua maneira. Ás vezes ele esquece que ela também é durona e resolve dar uma de machão, como no dia em que disse a ela, na frente da empregada, que cachorro é este? Você adotou outro cachorro? Ela disse que sim, conforme os dois haviam combinado, pois o cachorro deles estava agindo de forma esquisita, querendo sentar na cadeira e conversar. A vizinha chegou a ficar preocupada, pois ela chegou no muro para mostrar o cãozinho dela e o cachorrão sentou na cadeira e não deu bola para o cãozinho, pois queria conversar com a vizinha. Então, ficou estabelecido, quem sabe se com uma cachorrinha da mesma raça ele vai voltar a se sentir cachorro. O amo disse que não combinamos nada disso. E a empregada assistindo a toda embrulhada. Ele disse: você vai sumir com este cachorro amanhã sem falta! Ela pensou: até que não estava tão inclinada a ficar com a cachorrinha, pois queria uma dourada como o cachorrão deles e a cachorrinha estava apenas na fase de experiência, mas diante do fato, ela disse: Domitila fica! E ficou. Não conseguiu fazer o Dom Pipo se sentir cachorro, mas ela está educando o Kadu, que era incorrigível. E a empregada aprendeu que ela manda na casa, embora o amo e senhor, mande nela. Mas ele que se cuide, ela está ficando muito mudada, só ele não percebeu. Ela perdeu o medo de Afrodite. Afrodite não lhe dá mais ordens. Ela está ficando destemida e a partir de agora é bom, que chegando ao restaurante, ele não mais sente de frente para a porta para ver quem entra. Agora, quem vai ficar de olho na porta é ela. Ela não quer mais saber de ficar com a cara para as paredes e que ele não grite mais porque ela não é surda. E que ele não entre mais em estado de surto psicológico porque ela vai chamar a ambulância e pedir que tragam camisa de força. E que, por favor, ele não abra os extratos de conta dela, sem querer, porque elas jamais abriu os dele. E porque a brincadeira acabou, ela quer ser respeitada como companheira, mulher e mãe dos seus filhos. Ficou claro, meu amo e senhor? Não foi o senhor que, certa vez, disse a ela que o amor acaba? Pois ela ainda acredita no amor, no respeito e na admiração. E sabe que se passou por tanta coisa ruim, foi só um acidente de percurso. Ela tem certeza que alguém deve ter vindo a este mundo para encontrá-la e nunca a encontrou. Então vamos viver de maneira sábia, com nossos desencontros, afinal, esse desencontro até que não foi tão mal assim! Pois teve frutos e que frutos. Todos saudáveis, arvores tortas também dão bons frutos. Algo bonito a respeito do inconsciente, na personalidade humana, é quando chega o tempo de crescer e quando os velhos hábitos vão embora e damos boas vindas aos novos e aí surge uma nova consciência. Aí está a sabedoria de bem viver.

Nadia Foes
Enviado por Nadia Foes em 03/09/2009
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