ALMA GEMEA - 1º PARTE

PREFACIO

Fortunas são criadas e perdidas a olhos vistos, pessoas são infelizes quando tem o desejado pela maioria e felizes quando perdem tudo, corpos perfeitos padecem em depressões ou mal caratismo. Tava escrito é o que dizem, não adianta fugir, sua fuga também vai estar escrita. Somos aprendizes de atores no show da vida.

ALMA GEMEA

A noite foi terrível, um calor insuportável que durou madrugada adentro fazendo Ruthe lamentar o jantar, buchada de bode, — nem comi direito — Pensava enquanto procurava o sono pela madrugada, ziguesagueando o olhar entre os detalhes da porta, cabeceira da cama e nas sombras que serpenteavam pelas paredes e teto. Acabou acedendo o abajur, lembrou de procura-lo nas paginas de um livro, pensou mas... — Cadê o livro? — resmungou, e ao mesmo tempo se lembrou que o tinha deixado na sala... — Eu é que não vou lá — balbuciou, e voltou a busca amaciando, torcendo, esticando e batendo no travesseiro, fazia de tudo para que ele desse as caras, desistiu.

E se virava como podia, numa vã tentativa de descobri-lo escondido embaixo de si mesma, abria os braços ou jogava as pernas por cima do Pedro, que dormia pesado. Essa luta durou até ele encontra-la e a nocautear pelo cansaço a envolvendo em um sono ébrio até o despertar, na marra. Olhou para o lado e carinhosamente disse para o Pedro...

— Bom dia, acorde, bom dia hora de levantar, acorde.

O sacudia delicadamente lhe dando um beijo em sua face e se dirigindo ao banheiro e de lá...

— Acorda, ou vai se atrasar!

— Quantas horas são?

— Hora de acordar, se liga, deixa de preguiça e levanta, “to nos meus dias”, minha noite foi péssima.

Pedro estava pregado na cama de cansaço, Ruthe sabia disso, alem da luta diária ele dava aulas de futebol enquanto ela se dedicava na orientação para prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, queriam ter uma cota na obrigação de reduzir a violência no bairro. Marcelinho já berrava por colo, mamadeira, fralda, banho enfim o dia amanheceu, com ele não tinha negocio e ele gritava, Ruthe olha para o Pedro e...

— Levanta!

— Agora!

E deu uma espreguiçada na cama, olhou a Ruthe que já estava com o Marcelinho no colo e por minutos se deliciou com a imagem prazerosa lembrou-se de quando a conheceu se dirigiu ao banheiro, enquanto tomava uma ducha cantava uma musica...

— É pau, é pedra é o fim do caminho...

A Ruthe da cozinha começa a rir, e fala.

— Que bela maneira de começar o dia.

— Pelo que você me fez hoje a noite, ta difícil encarar o dia.

— Se você quiser, e se ficar assim tão difícil ir trabalhar, eu resolvo de uma maneira muito simples.

No banheiro se fez silencio por segundos, e Pedro pergunta em tom irônico.

— E qual seria?

— Fecho a área de lazer, e jogo a chave fora.

— De jeito nenhum, to saindo.

E sai apressado com uma toalha enrolada na cintura e uma outra de rosto sobre o ombro, da um beijo rápido na Ruthe por cima do Marcelinho e esse lhe estica os bracinhos pedindo colo, e ao invés disso ganha um beijo, e diz brincando olhando para Ruthe.

— Essa chave vale ouro, to saindo, o que lhe deu, pensei que tinha dormido com os anjos.

E enquanto enxuga o cabelo...

— Até a hora que você dormiu, esses anjos caíram fora.

— Porque?

— O jantar eu acho, não me fez bem, amanheci menstruada, não sei... é melhor não procurar nada, se não... eu vou mostrar com quantos absorventes se constrói a paciência feminina, “to nos meus dias”, da pra entender ou ta difícil?

Ele olha serio pra ela e da uma piscada rápida, com o olho direito e solta um sorriso — To fora! Esses dias eu conheço — e sai para se trocar brincando, e depois se dirige a cozinha para tomarem um café juntos regados a muita brincadeira, beijos e caricias entre os três. O apartamento: — Trepado no alto de quarenta degraus — era assim que se referiam a ele, tudo bem se não existisse a necessidade diária de superar esse obstáculo, padaria, mercado ou tomar sol com Marcelinho, “ai o bicho pegava”, pois alem dele se levava água, fraldas emergenciais, brinquedos, e o danadinho já andava e o velotrol era presença obrigatória, — quarenta possibilidades de acontecer uma mérda — resmungava Ruthe enquanto arrumava Marcelinho para a descida.

Pedro já pronto olha para ela e... — Já vi que o dia vai ser difícil —pensa, e observa a escada e decide ajuda-la a descer pegando o guerreiro arteiro no colo e dizendo:

— Vamos, deixo vocês na praça...

— Não precisa, você vai se atrasar!

— Nessa escada todo cuidado é pouco, e tenho tempo de sobra.

— Eu não sou nenhuma irresponsável.

— Nem eu estou dizendo isso. Só estou com cuidado.

— Dispensáveis, cuide-se que é mais que o suficiente.

— De jeito nenhum, eu não vou ficar sossegado se eu deixasse você descendo e não te ajudasse.

— Não precisa!

— Não preciso é ficar com essa preocupação na cabeça.

Uma das providencias foi colocar uma porta, temiam um acidente com Marcelinho. A escada era formada por quatro lances de dez degraus cada, com um descanso entre eles, fazendo uma curva ate o térreo, passando pelo mezanino, onde havia um outro apartamento que morava um casal sem filhos. Não havia taxa de condomínio já que só existia dois apartamentos e uma loja no térreo, desocupada, e sem acesso a escada. Se revesavam na sua limpeza e na segurança de manter a porta da rua trancada, na escada não havia janela, pois estava na parede lateral que a limitava a um outro prédio, mas era bem iluminada, para cada lance da escada uma lâmpada, mas vela dava até arrepios, principalmente com as mãos cheias de compras ou com um guerreiro afoito para chegar a praça.

— Por favor, não me custa nada.

— Você vai se atrasar.

Fala isso olhando delicadamente pro chão e balançando a cabeça, fazendo um charme.

— Tá cedo, não se preocupe.

Ruthe se deixa convencer, no fundo e o que queria, se coloca no primeiro degrau para tranca-la, Pedro ficou com Marcelinho no colo e Ruthe com o velotrol e uma bolsa, na hora que vai guardar a chave a deixa cair, e ao se abaixar para pega-la solta o velotrol, Pedro desatento por estar de costas ainda tenta segurara-lo com o pé, de nada adianta, instintivamente segura o Marcelinho e deixa o velotrol descer até parar no descanso do próximo vão e Pedro.

— Tudo bem?

CONTINUA..............