PELA ESTRADA DAS MISSÕES...

Há setenta e quatro anos ela vem vindo, vem vindo...vindo...agora mais lentamente e de repente, hoje, sob uma bela tarde de sol, nos encontramos pelos corredores para um gole d'água, naquelas paradas técnicas que fazemos pela vida para refletir sobre o todo.

Os cansaços me pareciam os mesmos, e as indagações também.

Em poucas palavras contou-me da sua vida e das suas tantas dificuldades.

Disse-me que muito se perguntou por que era sempre perto dela que alguém pedia por socorro. E certo dia ouviu dum amigo padre uma explicação que lhe sossegou o espírito: "Deus não escolhe os capacitados mas capacita os escolhidos".

Casou-se duas vezes.

Da primeira enviuvou cedo, criou dois filhos sozinha, sem formação profissional e aos sessenta anos casou-se pela segunda vez.

De papel passado e tudo! E foram para a lua de mel na Itália, país do noivo vinte anos mais velho, mais precisamente na Sícilia, algo que nunca imaginaria. "A vida tem dessas surpresas, filha"

Senti nela algo duma coragem admirável.

Perguntei-lhe o que lhe moveu a contrair as segundas núpcias.

Paixão dele... e acolhimento meu, respondeu-me lacônica, plácida e sinceramente."Cansei de lutar sozinha, e chega um dia em que não nos escondemos nem de nós e nem de mais ninguém!

Mas saiba minha filha, tudo na vida tem seu preço, não espere nada gratuito. Na minha idade, somos um poço de conhecimento, e os meus maiores aprendizados eu nunca os vi nos livros.Sou uma especialista em vida"

Depois contou-me rapidamente que o que a trazia ali era a doença do atual marido, e depois, puxou um espelhinho da bolsa, retocou seu batom rosa-pastel, levantou-se bambeando um emperrado joelho com artrose, apertou minha mão, agradeceu e continuou a seguir pela estrada das missões.

Reflexamente tentei ajudá-la a se erguer.

"Não precisa minha filha, vou lentamente eu sei, mas vou indo, indo...até chegar. O mais importante é que continuo em pé.Minha maior felicidade é perceber que nesta minha idade, se alguém me pede por socorro...eu ainda posso estender a minha mão."

E eu fiquei ali, meio inerte, pensativa, a amadurecer o maior aprendizado do meu dia , para continuar pela mesma estrada...a estrada das missões.