O jantar
O jantar será servido esta noite. Quantas pessoas virão? Não sei. Nem ao menos sei se estou convidado. Só sei que às nove em ponto tudo será servido.
Estranho...
Estou em minha casa agora pensando em quanto tempo ela vem planejando este acontecimento. Semanas? Meses, eu diria. E ela quer tudo impecável. Será que terá uma mesa para as crianças ou não haverá crianças? Meu Deus, o que será de mim então?
Será que serei servido?
Ou serei o prato principal?
Penso que tudo tem uma certa ligação. Não tenho uma roupa preparada, não sei quem e quantos virão esta noite. Só sei que ela está no cabeleireiro agora. Ah, se Laura ainda fosse viva... tenho certeza de que seria o primeiro a saber.
Ah, que saudades eu tenho de Laura, dos seus olhos, do seu jeito doce ao me dizer que tudo acabaria bem. Provavelmente Laura nem iria se arrumar antes de saber como eu estava. Aliás, ela iria até pedir a minha opinião sobre o que deveria vestir. Como sempre faz... fazia!
Mas ela se foi e eu fiquei. Ele também. Mas ele não está mais sozinho como eu estou. Antes éramos nós. Agora sou só eu e de vez em quando nos falamos... deixa para lá! O tempo passa, o tempo cura.
Eu acho que não irei a este jantar. Será que vão achar que é falta de educação? Posso muito bem inventar uma doençazinha qualquer e ficar de cama. É, mas daí vem a injeção... o que fazer?
Olho para o relógio: são 17h30. É tarde, para mim é muito tarde. Eu estou parado no dia em que ela se foi há uns quatro anos. Ainda me lembro dela subindo as escadas, do jeito que arrumava os móveis e os quadros que insistiam sempre em estar tortos... mas, principalmente, lembro-me do olhar que me dava quando me via. Eu renascia naquele olhar.
E me perdi tantas vezes por estes corredores a procurar a sua alma, seu fantasma, mas nada. Você era boa demais para vir nos assombrar.
Então veio novembro e você empalideceu. Deixou-nos mudos. Passou o Natal, o novo ano e no início do outono você se foi. Para mim nunca mais houve verão. Sempre tenho frio, desde então, no Natal. Quero ficar só, ouvir suas canções, cujos CD´s eu escondi. Fico me remoendo e assoviando baixinho. “É de manhã, vem o sol mais os pingos da chuva...”
Imagino-a dançando e fico a dançar no meu pensamento junto a você. Mas, assim, como num passe de mágica, tudo passa e torno a ficar sozinho. Como hoje, sem saber o que fazer, nem o que vestir, nem se vou ou não comer...
Como vocês podem achar que eu posso entender tudo o que se passa sozinho? Vocês acham que eu consigo suportar tudo calado?
Estou chorando por dentro e não tenho lágrimas por fora. Estou estático. Estou paralisado.
Ligo a TV, vejo um desenho no Cartoon. Ela chega e me olha espantada - diria inconformada - e me pergunta por que é que ainda não me vesti?
- Mas vestir o quê e para quê?
- Então o senhor não sabe que o seu pai ganhou uma honra social e será homenageado hoje, neste jantar?
- Não, eu não sei, ninguém me falou...
E por dentro, fico feliz por ele, pois sei o quanto isso significa a meu Pai. Novamente me lembro dela que me aparece no canto da sala e sorri. Pede que a siga. Deixo a outra falando e digo que vou me vestir. Desligo a TV e acompanho seu vulto a subir as escadas.
Quando chego ao meu quarto a roupa está estendida na cama. Passadinha, arrumadinha. Chique! Eu diria até, muito chique. Parece até que ouço ela dizendo: quero você muito bonito para o orgulho do seu pai. E se vai.
Quero gritar que fique, mas é em vão. Então olho no espelho e me vejo. Não mais criança, nem um homem feito ainda. Estou chegando lá. Tomo uma ducha, visto-me elegantemente e desço ao salão de festas. Recebo um sorriso dele e retribuo. Ela nem me olha diretamente, mas sei que me observa meticulosamente.
Os amigos chegam. Cumprimentos são trocados. E por um breve momento parece que a vejo na varanda. A ela e seu vestido salmão daquele famoso estilista. Vou ao seu encontro e, quando vou abrir a janela, ouço o tilintar da campainha e o anúncio se faz ouvir:
- O jantar está servido!!!
Publicado no livro Para Sempre, de Márcio Martelli,
Editora In House (2006)
O jantar será servido esta noite. Quantas pessoas virão? Não sei. Nem ao menos sei se estou convidado. Só sei que às nove em ponto tudo será servido.
Estranho...
Estou em minha casa agora pensando em quanto tempo ela vem planejando este acontecimento. Semanas? Meses, eu diria. E ela quer tudo impecável. Será que terá uma mesa para as crianças ou não haverá crianças? Meu Deus, o que será de mim então?
Será que serei servido?
Ou serei o prato principal?
Penso que tudo tem uma certa ligação. Não tenho uma roupa preparada, não sei quem e quantos virão esta noite. Só sei que ela está no cabeleireiro agora. Ah, se Laura ainda fosse viva... tenho certeza de que seria o primeiro a saber.
Ah, que saudades eu tenho de Laura, dos seus olhos, do seu jeito doce ao me dizer que tudo acabaria bem. Provavelmente Laura nem iria se arrumar antes de saber como eu estava. Aliás, ela iria até pedir a minha opinião sobre o que deveria vestir. Como sempre faz... fazia!
Mas ela se foi e eu fiquei. Ele também. Mas ele não está mais sozinho como eu estou. Antes éramos nós. Agora sou só eu e de vez em quando nos falamos... deixa para lá! O tempo passa, o tempo cura.
Eu acho que não irei a este jantar. Será que vão achar que é falta de educação? Posso muito bem inventar uma doençazinha qualquer e ficar de cama. É, mas daí vem a injeção... o que fazer?
Olho para o relógio: são 17h30. É tarde, para mim é muito tarde. Eu estou parado no dia em que ela se foi há uns quatro anos. Ainda me lembro dela subindo as escadas, do jeito que arrumava os móveis e os quadros que insistiam sempre em estar tortos... mas, principalmente, lembro-me do olhar que me dava quando me via. Eu renascia naquele olhar.
E me perdi tantas vezes por estes corredores a procurar a sua alma, seu fantasma, mas nada. Você era boa demais para vir nos assombrar.
Então veio novembro e você empalideceu. Deixou-nos mudos. Passou o Natal, o novo ano e no início do outono você se foi. Para mim nunca mais houve verão. Sempre tenho frio, desde então, no Natal. Quero ficar só, ouvir suas canções, cujos CD´s eu escondi. Fico me remoendo e assoviando baixinho. “É de manhã, vem o sol mais os pingos da chuva...”
Imagino-a dançando e fico a dançar no meu pensamento junto a você. Mas, assim, como num passe de mágica, tudo passa e torno a ficar sozinho. Como hoje, sem saber o que fazer, nem o que vestir, nem se vou ou não comer...
Como vocês podem achar que eu posso entender tudo o que se passa sozinho? Vocês acham que eu consigo suportar tudo calado?
Estou chorando por dentro e não tenho lágrimas por fora. Estou estático. Estou paralisado.
Ligo a TV, vejo um desenho no Cartoon. Ela chega e me olha espantada - diria inconformada - e me pergunta por que é que ainda não me vesti?
- Mas vestir o quê e para quê?
- Então o senhor não sabe que o seu pai ganhou uma honra social e será homenageado hoje, neste jantar?
- Não, eu não sei, ninguém me falou...
E por dentro, fico feliz por ele, pois sei o quanto isso significa a meu Pai. Novamente me lembro dela que me aparece no canto da sala e sorri. Pede que a siga. Deixo a outra falando e digo que vou me vestir. Desligo a TV e acompanho seu vulto a subir as escadas.
Quando chego ao meu quarto a roupa está estendida na cama. Passadinha, arrumadinha. Chique! Eu diria até, muito chique. Parece até que ouço ela dizendo: quero você muito bonito para o orgulho do seu pai. E se vai.
Quero gritar que fique, mas é em vão. Então olho no espelho e me vejo. Não mais criança, nem um homem feito ainda. Estou chegando lá. Tomo uma ducha, visto-me elegantemente e desço ao salão de festas. Recebo um sorriso dele e retribuo. Ela nem me olha diretamente, mas sei que me observa meticulosamente.
Os amigos chegam. Cumprimentos são trocados. E por um breve momento parece que a vejo na varanda. A ela e seu vestido salmão daquele famoso estilista. Vou ao seu encontro e, quando vou abrir a janela, ouço o tilintar da campainha e o anúncio se faz ouvir:
- O jantar está servido!!!
Publicado no livro Para Sempre, de Márcio Martelli,
Editora In House (2006)